12 de Maio de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

ESPECIALIZANDO: Pierre Patrick Pacheco Lira

ORIENTADORA: Daniele Vieira Dantas

 

A qualidade dos serviços oferecidos pelo Sistema Única de Saúde (SUS), e mais especificamente na atenção básica, começou a ser colocada em pauta de forma mais consistente e estruturada a partir dos anos 2000, sendo considerado o marco inicial desse processo o lançamento do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF) em 2003 (SAMPAIO, 2017). Por sua vez, no ano de 2008, foram implementados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), como uma estratégia para a melhoria da qualidade da atenção básica, a partir da ampliação das ações disponibilizadas nesse nível de atenção à saúde, acrescentando mais resolutividade clínica às equipes de saúde da família (BRASIL, 2008).

Ainda no escopo da qualidade dos serviços de atenção primária à saúde, foi instituído no ano de 2011 o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ). De acordo com Sampaio (2017, p. 21),

o PMAQ é a principal estratégia indutora de mudanças nas condições e nos modos de funcionamento das UBS e tem como objetivo geral induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da Atenção Básica, com garantia de um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente, de maneira a permitir maior transparência e efetividade das ações governamentais direcionadas à Atenção Básica em Saúde.

É no âmbito da avaliação da qualidade da atenção básica que ocorre o relato de experiência a seguir, referente à primeira microintervenção proposta pelo Curso de Especialização em Saúde da Família do Programa de Educação Permanente em Saúde da Família (PEPSUS). A atividade foi realizada no período de 16 a 27 de abril de 2018, na Unidade de Saúde da Família Gramoré, localizada na zona norte do município de Natal, Rio Grande do Norte. O ponto de partida para a realização da atividade ocorreu no contexto do período de consolidação de dados para o preenchimento do relatório de produção quadrimestral por parte da equipe nº 40, INE 112747, da qual participo na condição de médico da Estratégia Saúde da Família. Durante aquele período, a equipe percebeu que, após a implantação do Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC), vinha ocorrendo um subdimensionamento de diversos indicadores de produção e de monitoramento da organização do processo de trabalho, especialmente devido às dificuldades de utilização do novo sistema pelos profissionais da equipe e às limitações do PEC, quando comparado ao antigo sistema que utilizava o preenchimento dos formulários para Coleta de Dados Simplificada (CDS).

Concomitantemente ao período de preenchimento do relatório da produção quadrimestral, a equipe reuniu-se no dia 20 de abril de 2018, a fim de realizar a sua autoavaliação utilizando o instrumento de Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (AMAQ), além de construir uma matriz de intervenção para um dos problemas mais relevantes entre aqueles que fossem identificados (Figura 1). A primeira dificuldade encontrada durante a realização da atividade foi o próprio acesso à plataforma online do AMAQ, visto que o login e a senha para acessá-la estavam em posse da enfermeira da equipe, em local de acesso dificultado, em meio a diversos outros documentos. Quando finalmente os dados para acessar a plataforma foram encontrados, o sistema apontou o seguinte erro: “Este perfil que você tentou acessar encontra-se desativado por inatividade nos últimos 180 dias. Entre em contato com o Gestor do Programa ou Gestor da Atenção Básica do seu Estado/Município para reativá-lo” (Figura 2). A equipe havia aderido ao PMAQ em novembro de 2015, sendo a última autoavaliação realizada em julho de 2017. Como não foi possível obter acesso ao instrumento da plataforma online, a autoavaliação foi realizada utilizando as fichas impressas do AMAQ.

 

 

Figura 1 – Reunião com a equipe para realização da autoavaliação do AMAQ

 

Entre os padrões autoavaliados no AMAQ, foi atribuída a nota 1 (entre 10 pontos possíveis) ao padrão 4.9, da subdimensão “Organização do Processo de Trabalho”, dimensão “Educação Permanente, Processo de Trabalho e Atenção Integral à Saúde”, parte “Equipe de Atenção Básica”. Esse padrão avalia se “a equipe faz registro e monitoramento das suas solicitações de exames, encaminhamentos às especialidades, bem como os retornos”. A descrição ampliada do padrão é apresentada pelo instrumento do AMAQ da seguinte forma: “A equipe mantém registro das referências, contrarreferências e solicitações de exames de todos os usuários. As informações, registradas em instrumentos além dos prontuários, e o monitoramento dos fluxos – casos atendidos/não atendidos (em especial, casos mais graves e/ou complexos) – facilitam a coordenação do cuidado. Essas ações reduzem o tempo de espera e retorno das informações às unidades, objetivando concretizar o cuidado integral e em tempo oportuno.

 

 

Figura 2 – Erro ao tentar acessar a plataforma online do AMAQ

 

Foi percebido durante a autoavaliação que não existia nenhum instrumento além dos prontuários que possibilitasse o registro e o monitoramento dos encaminhamentos aos serviços especializados. Além disso, foi notado que, após a implantação do PEC, a quantidade de encaminhamentos estava sendo subdimensionada, pois, ao final da consulta, não estava ocorrendo o devido preenchimento do campo de “encaminhamentos” (Figuras 3 e 4), ao contrário do que vinha sendo feito no antigo sistema com utilização das fichas de CDS, onde esse campo era de preenchimento mais fácil e intuitivo. Esse subdimensionamento do número de referências a serviços especializados vinha sendo refletido também no cálculo de um dos indicadores pactuados no 3º ciclo do PMAQ, a saber, o “percentual de encaminhamentos para serviço especializado”, imprescindível para uma avaliação confiável da resolutividade da equipe de atenção básica.

 

 

Figura 3 – Campo para indicação de encaminhamentos no PEC

 

Starfield (2004, p. 28) descreve a atenção básica como o

nível de um sistema de serviço de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros.

Por sua vez, o Ministério da Saúde, através do Departamento de Atenção Básica (BRASIL, 2017), estabelece que o indicador “percentual de encaminhamentos para serviço especializado” é capaz de verificar o nível de resolutividade na Atenção Básica, a fim de identificar a necessidade de intervenções em áreas específicas, melhorando a organização da oferta do cuidado em saúde entre os pontos da rede de atenção à saúde”. Sugere ainda que “o parâmetro esperado para o indicador é de 5% a 20% de encaminhamentos médicos para serviço especializado/mês”.

 

 

Figura 4 – Campo para indicação de conduta e desfecho do atendimento no PEC

 

Frente ao exposto, foi elaborada uma matriz de intervenção referente à seguinte situação-problema: “A equipe não faz o registro nem o monitoramento dos encaminhamentos e retornos às especialidades. Não existe um instrumento além do prontuário utilizado para o registro das referências e contrarreferências a serviços especializados. O fluxo de consultas não é monitorado e não se sabe quais casos foram ou não atendidos, impossibilitando a efetiva coordenação do cuidado e a concretização do cuidado integral e em tempo oportuno”. Foi estabelecido como objetivo ou meta a ser alcançada a criação de um “instrumento que possibilitasse registrar e monitorar os encaminhamentos e retornos às especialidades, além de identificar a porcentagem de atendimentos que resultassem em encaminhamentos a outros serviços, quais casos haviam sido ou não atendidos, a conduta tomada pelo profissional ao qual o usuário havia sido referenciado, o tempo médio de espera pelo agendamento do encaminhamento, as especialidades com maior demanda de atendimentos e as especialidades com maior escassez de oferta de atendimentos” (Figura 5).

 

 

Figura 5 – Instrumento elaborado para monitoramento dos encaminhamentos

 

Foram elencadas três estratégias para alcançar os objetivos: a primeira delas consistiu na própria criação do instrumento pelo médico e pela enfermeira da equipe, por meio da elaboração de uma tabela em meio digital com campos para preenchimento dos dados a serem coletados, utilizando os computadores disponíveis nos consultórios e um software para edição de texto. A segunda estratégia consistiu na utilização regular desse instrumento ao final de todas as consultas, não apenas pelo médico, mas também pela enfermeira, a fim de ampliar o conceito de resolutividade, englobando também os atendimentos do profissional de enfermagem. A terceira estratégia a ser implantada consistiu na análise periódica dos dados coletados com o instrumento, devendo haver uma discussão dos resultados encontrados durante as reuniões da equipe. Cabe ressaltar que os dados coletados com esse instrumento permitem o registro e o monitoramento adequados do indicador “percentual de encaminhamentos para serviço especializado”.

 

 

Figura 6 – Relatório de atendimentos do e-SUS

 

Figura 7 – Relatório de conduta do e-SUS

 

Esse indicador é calculado a partir dos relatórios de atendimento (Figura 6) e de conduta (Figura 7) disponibilizados por meio da plataforma e-SUS. Para calculá-lo, é necessário dividir o número total de encaminhamentos pelo número total de atendimentos, em determinado período. Calculando-se o indicador para o período de 08/01/2018 a 27/04/2018, foi encontrado um percentual de 6,15% de encaminhamentos. Esse número situava-se dentro dos parâmetros sugeridos pelo Ministério da Saúde, porém, como relatado anteriormente, encontrava-se subdimensionado. Como forma de monitorá-lo e adequá-lo à realidade da equipe, foi proposta a utilização do instrumento elaborado conforme a matriz de intervenção e a comparação regular do indicador calculado a partir dos sistemas de informação e daquele calculado a partir dos dados coletados com o instrumento elaborado pela equipe. Como proposta para um cálculo mais fidedigno do indicador a partir dos relatórios do e-SUS, foi proposta a constante observação do preenchimento correto do campo de “encaminhamentos” durante a utilização do PEC. Com as mudanças propostas, esperou-se facilitar a coordenação do cuidado, reduzir o tempo de espera e retorno das informações à unidade básica e concretizar o cuidado integral e em tempo oportuno dos usuários que necessitassem de encaminhamentos aos serviços especializados.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Indicadores do PMAQ: resolutividade. Disponível em: <http://goo.gl/gb9Y2x>. Acesso em: 27 abr. 2018.

______. Ministério da Saúde. Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF. 208. Disponível em: <http://goo.gl/vUAGBm>. Acesso em: 27 abr. 2018.

SAMPAIO, Ana Tânia. Programa de Educação Permanente em Saúde da Família. Observação na Unidade de Saúde. Unidade 3: Melhoria do acesso e qualidade. PEPSUS, 2017. Disponível em: <http://goo.gl/ZwmyPF>. Acesso em: 27 abr. 2018.

STARFIELD, Barbara. Atenção primária: equilíbrio entre necessidade de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde, 2004.

1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (1 votes, average: 5,00 out of 5)
Loading...
Ponto(s)