11 de dezembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

Ainda há uma grande distância entre as recomendações de literatura que referem ao acolhimento à demanda espontânea e a prática observada na unidade básica – segundo cadernos do ministério da saúde referente ao tópico (BRASIL, 2013), “a despeito de a atenção básica não ser capaz de oferecer atenção integral, isoladamente, em todas as situações, ela pode dar conta de grande parte dos problemas e necessidades de saúde das pessoas e grupos populacionais, articulando diversos tipos de tecnologias”, no trato diário observa-se um funcionamento sujeito à vícios comportamentais, entraves burocráticos e, contraditoriamente, à uma falta de concepção unificada sobre como este acolhimento deve ser realizado.

O processo de atendimento preconizado na equipe 086 da UBS do bairro Novo Horizonte dá ênfase às consultas pré agendadas, com cerca de 86% das vagas de cada turno marcadas com antecedência durante uma manhã estabelecida pela equipe, e o restante dedicado à demanda espontânea, entendida apenas como “consultas emergenciais”. Neste âmbito, não era incomum observar pacientes sendo recusados ao procurar membros da equipe durante horários alheios aos informados para a marcação de atendimento, e sendo instruídos a retornar no dia determinado para agendá-los. 

Como resultante disto, a equipe notou alguns costumes pouco salutares formando-se na população – uma vez firmada a ideia de que há um período ultra limitado onde se tem acesso à agendamentos na UBS, observa-se uma super lotação neste período, ocorrendo em um espaço físico pequeno e pouco apropriado para comportar grande quantidade de usuários, levando ao desânimo por parte de muitos, a uma ideia de “dificuldade” no acesso ao atendimento médico, ocasionando diretamente o surgimento de situações de tráfego de influência, com membros do público visando determinados funcionários da unidade básica e solicitando atalhos e meios alternativos de acesso, assim como ao surgimento de figuras que atuam como “intermediários”, onde, sob a guia de facilitar o acesso da população, e de forma completamente ilegal, agendam consultas para terceiros mediante pagamento. 

Existe também uma queda na relação entre a equipe e a população em geral sob estas condições, uma perda referente à noção do bom acolhimento, que se torna mecanizado e distante na visão da comunidade. Diversas pessoas que procuram a UBS espontaneamente durante a semana sentem-se alheias aos funcionários, e não retornam em um segundo momento quando informadas que devem voltar posteriormente apenas para realizar agendamento de consultas.

Em reunião com a equipe, quando levantadas estas questões, diversas explicações foram oferecidas para justificar o padrão atual de funcionamento da mesma; dentre elas, foi apontada evidência anedotal de que haveria preferência por parte da própria população por este tipo de serviço. Em ocasiões anteriores, quando casualmente abordados sobre a possibilidade de pré agendamento de retornos em casos específicos, ou mesmo da necessidade de acolhimento imediato à pacientes que buscam de forma espontânea a unidade, os membros do grupo responsáveis pelo primeiro contato com os pacientes na UBS já haviam alegado que os usuários demonstravam insatisfação caso houvessem vagas já preenchidas no dia preconizado para marcação de consultas, e confusão por parte destes caso este “dia de marcação” fosse abolido completamente em favor de um serviço mais fluido e acomodador aos habitantes da região. 

Outro ponto levantado pelos membros da equipe, foi sobre haver uma suposta depreciação do atendimento por parte da maior parte da comunidade quando feitas tentativas anteriores de facilitar o acesso – faltas frequentes ocorrendo com certa regularidade tendo sido usadas como evidência disto pela equipe.

Em resumo, nota-se considerável resistência por parte do grupo com relação à estabelecer na prática o acolhimento à demanda espontânea. 

Não obstante, após reunião com a equipe com o objetivo de elucidar a importância da demanda espontânea, e a potencial eliminação dos contratempos supra citados caso esta fosse implantada com sucesso, todos os membros se comprometeram a seguir um novo protocolo, com menos ênfase dada ao pré agendamento, melhor acolhimento dos usuários, e métodos de triagem claros e unificados, que priorizem uma escuta de todos os usuários que procurem a equipe para melhor atender suas necessidades, e não uma simples recusa e orientação a procurar a unidade em outro dia. Reservou-se um horário específico, na metade de cada turno, dedicado às situações de demanda.

Os resultados iniciais (após duas semanas de implementação), contudo, foram irregulares, na melhor das hipóteses. Alguns indivíduos da equipe responderam melhor e abraçaram o método com mais facilidade, enquanto outros demonstram ainda dificuldades em sua execução.

A procura dos usuários pelo serviço de forma espontânea tem aumentado gradativamente, porém ainda se demonstra tímida, mesmo com boa divulgação sobre a disponibilidade aumentada. No momento atual, está programada para a segunda metade do mês de junho uma nova reunião com a equipe para avaliação de resultados iniciais, sugestão de correções necessárias e estabelecimento de novas metas.

 

 

Referências 

BRASIL. Ministério da Saúde. Acolhimento à demanda espontânea : queixas mais comuns na Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica, n. 28, Volume II. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pdf>. Acesso em 20 jun. 2018.

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