AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO COMO PROMOTOR DO CONTROLE DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS
ESPECIALIZANDO: PIERRE PATRICK PACHECO LIRA
ORIENTADORA: DANIELE VIEIRA DANTAS
Atualmente, um dos maiores desafios para as equipes de saúde atuantes na Atenção Básica (AB) é representado pela oferta de serviços para as pessoas com doenças crônicas, que geralmente apresentam etiologia multifatorial, com influência de determinantes biológicos, psíquicos e socioculturais. Para que ocorra uma abordagem efetiva desses casos, é necessário que haja um envolvimento adequado das várias categorias de profissionais que atuam nas equipes de AB, desde os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), passando pelos profissionais de enfermagem e de saúde bucal, até o profissional médico. É importante ressaltar ainda o papel fundamental desempenhado pelos próprios indivíduos afetados, pelos seus familiares e pela comunidade onde estão inseridos, os quais devem ser estimulados a protagonizar os seus processos de atenção à saúde (BRASIL, 2014).
A relevância das condições crônicas como uma verdadeira necessidade de saúde levou à publicação da Portaria n. 252, de 19 de fevereiro de 2013, pelo Ministério da Saúde (MS), a qual instituiu a “Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas” no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo dessa rede é promover a reorganização do cuidado e a sua qualificação, ampliar as estratégias de tratamento, de promoção da saúde e de prevenção do desenvolvimento das doenças crônicas e de suas complicações (BRASIL, 2013). Desde a publicação dessa portaria, o MS vem desenvolvendo metodologias, diretrizes e instrumentos de apoio às equipes de saúde, bem como realizando um esforço para que a “Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas” se organize efetivamente (BRASIL, 2014).
Com base nessa problemática, a microintervenção do módulo de “Controle das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) na Atenção Primária à Saúde (APS)” da Especialização em Saúde da Família (PEPSUS) foi norteada pelas prioridades do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Essa microintervenção iniciou-se a partir da autoavaliação dos serviços prestados às pessoas com DCNT pela equipe n. 40 da Unidade de Saúde da Família (USF) Gramoré, especialmente no tocante às pessoas portadoras de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM) e obesidade.
Após o preenchimento do questionário proposto pelo PEPSUS, foi observado que a equipe realizava rotineiramente consultas destinadas a esses indivíduos, com tempo médio de espera de sete dias. Durante esses atendimentos, a equipe utilizava protocolos para a estratificação de risco e avaliava a existência de comorbidades e fatores de risco cardiovascular. No entanto, a equipe não possuía registro sistemático e de fácil acesso dos usuários com maior risco ou gravidade, limitando-se a registrar a avaliação do risco em seus respectivos prontuários.
Em relação aos pacientes diabéticos, foram percebidas duas grandes falhas: a equipe não realizava o exame do pé diabético nos usuários nem executava o exame de fundo de olho periodicamente. Já no que concerne aos pacientes obesos, foi observado que a equipe realizava a avaliação antropométrica (peso, altura e Índice de Massa Corporal-IMC) dos usuários atendidos ainda na Sala de Preparo, quando passavam pela pré-consulta. Após a identificação dos usuários com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²), a equipe realizava o acompanhamento na própria USF, ofertando encaminhamento para serviços especializados, quando necessário. No entanto, a equipe não oferecia ações voltadas à atividade física nem à alimentação saudável, além de, até o momento, não possuir um grupo de educação em saúde para as pessoas com desejo de perder peso.
Ao final da autoavaliação, houve questionamento geral em relação aos usuários tabagistas, visto que o uso do tabaco constitui um grave problema de saúde crônico, influenciando, inclusive sobre o controle das demais DCNT. De acordo com o MS (2015), a prevalência de tabagismo em pessoas maiores de 18 anos diminuiu substancialmente no Brasil, porém pareceu haver uma estabilização entre 2006 e 2009, com uma prevalência, no ano de 2012, de 14,8%, sendo maior no sexo masculino (18,1%) do que no sexo feminino (12%). De acordo com Kaplan (2010), entre os jovens com 14 anos, 6,3% fumaram nos últimos 30 dias, enquanto a média das Américas é de 4,9%.
Por sua vez, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) alertou, em 2011, que o tabagismo – antes visto como um estilo de vida – é atualmente reconhecido como uma dependência química, expondo as pessoas a inúmeras substâncias tóxicas, sendo classificado no Código Internacional de Doenças (CID) no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas. O tabagismo é considerado, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008), a maior causa de morte evitável em todo o mundo, sendo um fator de risco para seis das oito principais causas de mortalidade global: doença isquêmica do coração; acidente vascular encefálico (AVE); infecção respiratória baixa; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC); tuberculose; e câncer de pulmão, brônquios e traquéia, matando uma pessoa a cada seis segundos.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) et al. (2010), alertam para que o fato de que a mortalidade decorrente do tabagismo, nos adultos, já é maior do que o somatório de óbitos por HIV, malária, tuberculose, alcoolismo, causas maternas, homicídios e suicídios combinados. No entanto, é sabido que o tratamento dos fumantes está entre as intervenções médicas que apresentam a melhor relação custo-benefício, com um custo inferior ao tratamento da HAS, da dislipidemia e do infarto (INCA, 2001). Cabe, portanto, aos profissionais de saúde, especialmente entre as equipes de AB, promover ações de incentivo ao abandono do tabagismo a todos os fumantes que utilizam esse serviço, as quais podem ser particularmente efetivas devido ao vínculo estabelecido entre esses profissionais e os usuários (BRASIL, 2014).
Partindo-se dessa problemática, foi sugerida a formação do “1º Grupo de Controle do Tabagismo” na USF Gramoré, iniciando-se com um pequeno grupo-piloto formado por cinco usuários do território adstrito da equipe n. 40. O grupo foi estruturado a partir das recomendações do Caderno de Atenção Básica n. 40 – “O cuidado da pessoa tabagista” (BRASIL, 2015); do Manual do Coordenador do “Programa Deixando de Fumar sem Mistérios” (INCA, 2004); e da Portaria n. 761, de 21 de junho de 2016, do MS, que deu validade às orientações técnicas do tratamento do tabagismo constantes no “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Dependência à Nicotina” (BRASIL, 2016).
Cada profissional da equipe ficou responsável por uma das tarefas da elaboração do grupo. Os ACS responsabilizaram-se por captar os usuários tabagistas com desejo de participar do grupo; a enfermeira da equipe ficou responsável pela consulta de pré-avaliação, realizando a anamnese inicial e explicando aos participantes sobre o funcionamento do grupo; o médico da equipe assumiu o papel de coordenador do grupo, responsabilizando-se pelo agendamento e execução das reuniões semanais e pela captação dos insumos farmacêuticos e dos materiais de educação em saúde a ser distribuídos ao longo de toda a ação.
O grupo foi estruturado tomando-se como referência o número de oito reuniões semanais com duração de uma a duas horas. Houve articulação com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal e com a Secretaria Estadual de Saúde Pública (SESAP) do Rio Grande do Norte, por meio da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (UNICAT), a fim de obter os medicamentos utilizados no controle do tabagismo, a exemplo dos adesivos de reposição de nicotina e dos comprimidos de bupropiona (Figura 1).
Figura 1. Medicamentos a ser utilizados no “Grupo de Controle do Tabagismo”.
A primeira reunião do grupo foi agendada para o dia 8 de novembro de 2018 e a última reunião para o dia 28 de dezembro de 2018. Após isso, os participantes deverão ser avaliados uma vez por mês em consultas individuais com o médico da equipe, a fim de receberem apoio na manutenção da abstinência. Os próximos grupos deverão possuir o número máximo de 10 participantes, havendo um rodízio de grupo a cada oito semanas.
Espera-se atingir um número máximo de 60 usuários ao longo de um ano de atividades do grupo, bem como servir de exemplo e estímulo para que as outras três equipes de saúde da família atuantes na USF Gramoré formem, também, os seus próprios “Grupos de Controle do Tabagismo”, com potencial geral de atingir 240 usuários por ano, contribuindo para a diminuição substancial da prevalência de tabagismo entre os moradores do território adstrito da unidade, bem como para a diminuição do risco de infartos agudos do miocárdio (IAM), AVE, câncer de pulmão, entre outros agravos, auxiliando no controle de outras DNCT, especialmente da HAS e do DM, cuja avaliação inicial culminou na criação e oferta deste grupo.
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 252, de 19 de fevereiro de 2013. Institui a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 fev. 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0252_19_02_2013.html>. Acesso em: 15 nov. 2018.
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______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica, n. 40. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: o cuidado da pessoa tabagista. Brasília: Ministério da Saúde, 2015b. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_40.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018.
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______. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Deixando de Fumar sem Mistérios: Manual do Coordenador. Rio de Janeiro: INCA, 2004. 54p. Disponível em: <http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/agravos/publicacoes/manual-do-coordenador.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018.
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