RELATO DE EXPERIÊNCIA
TÍTULO: SAÚDE MENTAL DESDE A ZONA RURAL
ESPECIALIZANDO: WANDEIR LIMA DOS SANTOS
ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO
COLABORADORES: ANNAYR BARRETO (COORDENADORA DA ATENÇÃO BÁSICA MUNICIPAL); ALINE TÂMISA OLIVEIRA (ENFERMEIRA DA UNIDADE BÁSICA); ELEÔNIA SILVA (TÉCNICA EM ENFERMAGEM DA UNIDADE BÁSICA); MAÍSA SILVA (AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE); ELENILDA OLIVEIRA (AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE)
Ao longo da vida, todos nós podemos ser afetados por problemas de saúde mental, de maior ou menor gravidade. Algumas fases, como a entrada na escola, a adolescência, a menopausa e o envelhecimento, ou acontecimentos e dificuldades, tais como a perda de familiar próximo, o divórcio, o desemprego, a reforma e a pobreza podem ser causa de perturbações da saúde mental. Fatores genéticos, infecciosos ou traumáticos podem também estar na origem de doenças mentais graves (BRASIL, 2013).
Por tais motivos, pode-se pensar na necessidade da parceria entre a saúde mental e a atenção básica para a ampliação do arsenal terapêutico, e também para evitar o distanciamento entre a comunidade e determinados fenômenos nascidos no interior desta, como a loucura. Essa articulação é vista como um dos eixos estratégicos para repensar o atendimento em saúde na comunidade, tendo em vista que as dimensões sociais e culturais influenciam e são influenciadas pelos determinantes fisiológicos e psicológicos do adoecimento (ANTONACCI; PINHO, 2011)
Com base na detecção dos números elevados de casos neste âmbito que, na década de 80, se implementou a atual política de saúde mental brasileira, através dos esforços de famílias, profissionais de saúde que buscavam de maneira integral, mudar esta realidade.
Em 2001, após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional, é sancionada a Lei nº 10.216 que afirma os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Os princípios do movimento iniciado na década de 1980 tornam-se uma política de estado. Na década de 2000, com financiamento e regulação tripartite, amplia-se fortemente a rede de atenção psicossocial (RAPS), que passa a integrar, a partir do Decreto Presidencial nº 7508/2011, o conjunto das redes indispensáveis na constituição das regiões de saúde (BRASIL, 2013).
Em nossa Unidade Básica de Saúde, contamos com os seguimentos da Estratégia Saúde da Família (ESF), Núcleo de Assistência à Saúde da Família (NASF), implementados no final do ano passado (2017) e que contam com serviços especializados nas áreas de psiquiatria e psicologia. Tais serviços nos proporcionam o suporte necessário para que, em conjunto com o trabalho da nossa Equipe a nível de Atenção Primária, possamos ofertar os melhores planos terapêuticos e condutas possíveis para cada caso, de maneira individualizada.
Porém, encontramos vários problemas ainda, como a elevada demanda e consequente demora para que alguns pacientes consigam atendimento destes profissionais, o que acarreta na falta de contra referências, fazendo com que, em muitos casos, estejamos diante de um paciente que solicita uma renovação de receita de uso controlado, porém de acordo aos registros, não foi consultado como solicitado pelo médico da Unidade, por um profissional do NASF a mais de 5 ou 6 meses.
Tal situação, somada à distância desde o povoado onde atuamos, até a sede municipal, configuram outro grande problema para estes usuários da nossa Unidade, pois, em sua grande maioria, não possuem transporte próprio e dependem de favores de vizinhos ou do veículo de uso escolar, para que seja feito tal deslocamento. Tudo isto para que seja realizado apenas o agendamento da consulta, pois, no dia do atendimento, toda essa dificuldade logística se repetirá.
Justamente por observar tais problemáticas, estivemos reunidos com toda a Equipe de Saúde da nossa Unidade Básica, onde o tema abordado foi justamente este, a dificuldade de acesso a serviço especializado por parte de pessoas com necessidades de atenção à saúde mental. Nosso objetivo principal foi a otimização da busca por novos casos além da certeza de cumprimento terapêutico por parte de pacientes já avaliados anteriormente.
Da minha parte, como médico, tenho buscado ler, estudar e ter um entendimento cada dia maior de todas as principais doenças e síndromes voltados para a saúde mental, com objetivo de, por conta de tais dificuldades de deslocamento, reduzir o quanto possível, os encaminhamentos aos serviços especializados da Sede municipal, mantendo total responsabilidade, e consciente de que existem várias situações em que tal conduta é inevitável.
Algumas medidas e ações, debatidas na nossa reunião com a Equipe de Saúde, podem ajudar e otimizar os cuidados como: Lembrar-se de escutar o que o usuário precisa dizer; Acolher o usuário e suas queixas emocionais como legítimas; Oferecer suporte na medida certa; uma medida que não torne o usuário dependente e nem gere no profissional uma sobrecarga; Reconhecer os modelos de entendimento do usuário; Proporcionar ao usuário um momento para pensar/refletir; Exercer boa comunicação.
Por tudo isto, acreditamos que sejam necessárias ações também por parte do Município através da secretaria de saúde para uma maior inclusão destes pacientes que vivem distanciados da sede municipal, e consequentemente dos benefícios que ela pode oferecer.
Também temos feito uso de conversa com familiares, explicando tudo que pode e deve ser feito por eles e por nós, dentro da APS, para que cada caso, a sua maneira, seja mantido dentro do que planejamos inicialmente, atualizados e controlados por todos nós da Unidade. Segue abaixo, um modelo de instrumento para um melhor acompanhamento em saúde mental:
Ficha de registro: Saúde Mental
Nome |
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Endereço |
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SUS |
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Idade – Sexo |
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ACS |
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Acompanhamento |
( )NASF ( )SOMENTE UBS ( )OUTRO |
CID-10 – CIAP |
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Medicamentos em uso |
Nome: Dose: Nome: Dose: Nome: Dose: Observações: |
Seguindo com o relato número 4 (quatro) de microintervenção, selecionamos o caso de uma usuária de 48 anos de idade, hipertensa, em uso de losartana 50 mg, 01 comprimido às 08h da manhã, diagnosticada há aproximadamente 11 anos, e que se mantém controlada nos últimos anos devido a alimentação predominantemente hipossódica e caminhadas regulares, mãe de 02 filhos que vivem no Sudeste do país, 20 e 18 anos, ambos do sexo masculino. Atualmente pesando 65kg com 1,64 de altura.
A paciente compareceu a unidade para uma consulta no mês de maio – 2018 onde a queixa de pré-consulta havia sido dores de cabeça e ouvido, porém, quando chamada por mim, após um cumprimento inicial, lhe perguntei o que estava acontecendo e como poderia ajudar. Imediatamente a paciente começou a chorar, dizendo que na verdade o grande problema é que seu marido havia saído de casa faziam 21 dias e que desde então se encontra muito sensível, chorando por qualquer motivo, sem vontade de fazer nada, sem ânimo, e que a única coisa que a deixava mais calma era comer, por vezes mais de 8 vezes ao dia.
Após o relato inicial da paciente, realizei uma anamnese completa e o exame físico onde todos os parâmetros estiveram preservados. Conversamos, onde a mesma pediu uma medicação para que pudesse dormir e sentir-se melhor. Diante disto, tratei de explicar-lhe sobre a importância de se evitar o uso de medicações de uso controlado desnecessário, a dependência e efeitos colaterais que poderiam produzir. Depois de aproximadamente 18 minutos de consulta, conversa, orientações, a paciente se encontrava muito mais tranquila, lhe orientei a fazer uso de chás durante a noite, ao invés do café, procurar respirar fundo e lutar em busca de uma vida mais saudável.
Diante disso e em comum acordo, encaminhei a usuária da Unidade aos serviços de psicologia e terapia ocupacional oferecidos pelo NASF do município. No último dia 10, como combinado, recebi a paciente para o retorno, onde a mesma já se encontrava muito melhor, sorridente, relatando dormir bem e sem fazer uso de nenhuma medicação, referiu estar cuidando de uma horta no quintal de sua casa e um jardim na parte anterior. Foi uma experiência simples, mas que mostrou que nem sempre devemos abordar todos os casos pensando no uso de medicações logo de entrada. Ficamos felizes por ver a evolução extremamente favorável desta paciente.
REFERÊNCIAS
ANTONACCI, M. H.; PINHO, L. B. Saúde Mental na atenção básica: uma abordagem convergente assistencial. Revista Gaúcha de Enfermagem, v.32, n.1, p.136-142, 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. (Cadernos de Atenção Básica n. 34).
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