Orientanda: Thais Seixas Coutinho
Orientador:
Atenção à Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde
O funcionamento psíquico baseia-se em uma complexa interação de elementos biológicos, psicológicos e sociais, dessa forma a interação de fatores como a herança genética, condições ambientais e experiências ao longo da vida determina o que tem sido descrito como equação etiológica das disfunções psíquicas (Eizirik et al, 2013).
Na psicopatologia é fundamental o entendimento de dois conceitos: a psicose que consiste na incapacidade do sujeito para representar sua própria unidade e a neurose que consiste em uma representação substitutiva da realidade (Muller- Granzotto & Muller- Granzotto, 2012).
Para Freud (1924), tanto na neurose quanto na psicose existe uma perturbação da relação do sujeito com a realidade, uma vez que na neurose um fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na psicose ele é remodelado. A neurose não repudia a realidade, apenas a ignora, e a psicose a repudia e tenta substituí-la.
Segundo DSM V- Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, a psicose é dividida em dois tipos – funcional, como a esquizofrenia e as doenças afetivas, e orgânica, como resultado de uma demência ou de intoxicações. Por outro lado, a depressão, ansiedade , tendências obsessivas-compulsivas, fobias e até desordens de personalidade compõem a neurose.
Além dos transtornos mentais, citados anteriormente, a Política Nacional de Saúde Mental engloba também os pacientes com uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas (álcool, cocaína, crack e outras drogas). As estratégias e diretrizes adotadas pelo país têm o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em Saúde Mental (BRASIL, 2018).
Devido a pertinência do tema saúde mental e suas especificidades que houve necessidade de renovação dos dados dos pacientes que fazem parte desse grupo, com o objetivo de garantir qualidade, facilidade e longitudinalidade na assistência. Para a renovação dos dados houve o trabalho incessante dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS’s) por meio de busca ativa a cada paciente e, para atingir o objetivo dessa microintervenção, a atuação da equipe multiprofissional foi fundamental, pois tivemos que escolher um paciente para realizar a atividade com avaliações semanais.
Com base no levantamento dos dados há 30 pacientes pertencentes ao grupo saúde mental. Destes, nove não apresentam diagnóstico e nem fazem uso de medicação, e cinco dos que possuem diagnóstico também não realizam tratamento medicamentoso. O paciente mais jovem tem sete anos de idade, enquanto que o mais velho possui 99 anos. A média de idade foi de, aproximadamente, 48 anos e o diagnóstico de maior porcentagem foi equivalente ao uso de álcool correspondendo a 31% dos casos.
Através dos dados apresentados, optamos por realizar o trabalho multidisciplinar com um usuário de álcool, para encontrar as possíveis falhas na assistência e manter um controle terapêutico. Fomos uma vez por semana durante quatro semanas até a residência do paciente, por duas vezes não o encontramos porque, segundo familiares, ele havia saído de casa no dia anterior e até o momento não havia retornado. Em duas outras vezes, ele encontrava-se na residência, porém em uma delas estava muito sonolento e pouco colaborativo e no segundo momento, felizmente, ele estava relativamente sóbrio e aceitou conversar conosco.
Nas três primeiras visitas que não tivemos êxito, conversamos com a tia do paciente que nos relatou que o mesmo ingere álcool diariamente desde os 20 anos (hoje possui 59 anos) e que por vezes a mãe (que faleceu há 2 anos) procurou ajuda médica no posto e no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), porém sem efeito para o reestabelecimento do filho. O maior período que ele já ficou sem a injesta de substância alcóolica foram três meses, porém apresentou recaída. A ingestão da substância começou após uma decepção amorosa e a desestruturação familiar, com a morte do pai, também alcóolatra, que também correu no mesmo período .
A conversa com o paciente, que ocorreu na última visita, foi de difícil condução, pois o mesmo evitava se pronunciar. Perguntamos se ele já havia pensado alguma vez em cessar o uso da bebida, ele respondeu que duas vezes a mãe tentou leva-lo “a força”, o que não surtiu efeito e apenas uma única vez foi, por conta própria, procurar assistência no CAPS AD. Diz ter se sentido acolhido e que participava de todas as atividades coletivas propostas pela instituição, além disso fazia as principais refeições do dia no local. Porém interrompeu após três meses de tratamento, diz não ter conseguido resistir a ”um copo” que o amigo o ofereceu e atualmente nega-se estar disposto a nova tentativa.
A partir da dificuldade encontrada por nossa equipe, tanto no ambiente familiar, quanto no psicossocial, resolvemos propor a família uma terapia conjunta, uma vez que na casa vivem 6 pessoas. O objetivo dessa terapia, que será desenvolvida pela psicóloga, é conseguir ajudar a família a lidar com a situação, de forma que se reestabeleça a estrututa familiar e os demais familiares possam ajudar o paciente a aceitar um tratamento.
Para compreender um pouco do que o paciente vivenciou no CAPS AD fomos até o local, conversamos com o coordenador, ele nos informou que o CAPS funciona de 08 às 18h e que atende uma média de 200 pacientes mensalmente. O ambiente dispõe de sala de informática, que no momento não está em funcionamento total, refeitório, dois consultórios, dois banheiros, sala para realização de atividades coletivas e sala de medicação de urgência. A unidade ainda dispõe de assistência psicológica e médica terapêutica, buscando a reabilitação do paciente. A problema relatado pelo coordenador é que, pelo fato de o CAPS não funcionar após as 18h, os pacientes retornam para seu estado de vulnerabilidade durante o período noturno, pois na cidade de Macapá não há um ambiente que acolhe as pessoas que estão realizando acompanhamento para álcool e droga.
Durante realização desta microintervenção, nossa maior dificuldade foi conseguir gerar um diálogo e empatia com o paciente, pois o mesmo recusa receber visitas, especialmente se for de algum profissional da saúde. Porém obtivemos a colaboração de alguns familiares e acreditamos que será possível a continuidade na assistência através do grupo familiar proposto pela psicóloga. Infelizmente o grupo ocorrerá mensalmente, pois a visita do NASF em domicílio ocorre uma vez por mês. A consulta médica, no entanto, será planejada de 15 em 15 dias, tempo esse acordado com o paciente durante a visita. Tentaremos seguir o tratamento paulatinamente para que não haja recusa na assistência e sempre entrando em acordo especialmente com o paciente, tais medidas tem a finalidade de gerar a reinserção social.
Para melhorar a assistência, seria essencial a criação de um grupo na comunidade para o encontro e declarações pessoais daqueles pacientes que tivessem o envolvimento com álcool ou droga, uma assistência domiciliar contínua, não apenas do profissional médico, mas da equipe multidisciplinar e um CAPS com maior estrutura para que pudesse atender e desenvolver as atividades de maneira adequada .
Referências:
Muller-Granzotto, M J; Muller-Granzotto, R L. Psicose e Sofrimento. Summus Editorial, 2012.
Feud, S. “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924). Op. cit., vol. XIX
DSM-5. Developed by © 2012 American Psychiatric Association. Disponível em <http://www.dsm5.org/>. Acesso em: 23. 07.2018
Brasil. Ministério da saúde. <http://portalms.saude.gov.br/politica-nacional-de-saude-mental-alcool-e-outras-drogas> Acesso em 23. 07. 2018
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