6 de setembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

TÍTULO: COMPREENDENDO UM MUNDO INVISÍVEL

ESPECIALIZANDO: RODOLFO LINS DA SILVEIRA MACEDO

ORIENTADOR: MARIA BETÂNIA MORAIS DE PAIVA 

Em saúde, temos que ampliar a nossa visão para uma esfera muito maior do que apenas a esfera física com a qual trabalhamos. Sempre tentamos quantificar as coisas, seja a dor do paciente através de uma escala de números que vão de 1 até 10, como a forma de medir aquilo que não podemos ver ou se basear na expressão de dor que o paciente deixa transparecer em sua face, para assim avaliarmos o quão grande é o problema.

Procuramos sempre tentar explicar isso de maneira que possamos estabelecer uma maior conexão com aquilo que geralmente acreditamos ser real, pelo fato de podermos ver, ouvir, sentir e tocar. Temos que ter em mente que a dor é uma “experiência sensorial e emocional desagradável, associada ao dano real ou em potencial, ou descrita em termos de tal dano” (GUSSO; LOPES, 2012).

Se tratando de psiquiatria teremos que procurar ir mais além e aceitar que existem ainda muitas informações sobre o corpo humano que não sabemos e reconhecer que as que possuímos são ainda insuficientes para entendermos como ele funciona completamente. E é aí que entra a psiquiatria, como uma ciência que estuda um mundo diferente do qual estamos acostumados, um mundo de poucos, ou até mesmo, mundos. Mundos esses que são fascinantes, complexos, desafiadores e ao mesmo tempo, vazios, sombrios e bem solitários. Solidão essa que pode ser ainda mais acentuada, se mal interpretada, não compreendida e ignorada.

Pacientes em sofrimento mental precisam lidar com a ignorância de uma sociedade que não sabem conviver com o diferente, querendo em muitas situações, os excluir de seu meio por considerarem perigosos, improdutivos, um peso para sociedade. Como se tudo isso não fosse suficiente, alguns deles ainda tem que lidar com esses mesmos problemas dentro de suas próprias casas, ambiente onde deveriam encontrar maior apoio, sendo vítimas de agressões verbais, físicas ou de alguns outros tipos de maus-tratos.

Infelizmente nos deparamos com situações como essas em relação ao tratamento de alguns idosos, visto como uma fonte de renda e provedora da sustentação daqueles que deveriam ser os seus cuidadores, utilizando dessa renda para benefícios próprios. Por essas e outras razões é que nos deparamos com o alto nível de depressão nessa faixa etária da vida.

Desta forma iniciamos uma intervenção através dos grupos das ações programáticas procurando mudar esse pensamento à medida que realizamos convites para esses grupos de pacientes e seus familiares para participarem de reuniões onde essas doenças são estudadas, ajudando a esclarecer os alguns fatores que levam ao seu surgimento, como ela atua e seu desenvolvimento, dando forma para aquilo que antes lhes eram invisível e de difícil compreensão.

A metodologia utilizada procurou apresentar de forma clara o funcionamento e os mecanismos dos transtornos mentais para uma maior compreensão. Evidenciando cada vez mais a importância do meio à qual a pessoa está inserida, o apoio da família e da sociedade que vem a contribuir para melhora ou piora do quadro, se fazendo necessário construir um ambiente saudável para reabilitação desses pacientes, retirando os agentes responsáveis pela iniciação do quadro clínico do paciente. Dessa maneira, propondo uma possibilidade de tratamento em sua própria comunidade, descobrindo assim a necessidade de não apenas lidar com as raízes biológicas dos problemas mentais, mas também com os fatores sociais. (VIETTA et al., 2001).

A equipe procurou estudar uma maneira de ajudar a população psiquiátrica da nossa área de uma forma a buscar grandes benefícios com um baixo custo, através do entusiasmo em elaborar um instrumento que nos revelasse mais do que apenas os pacientes que fazem uso de psicofármacos. Dessa maneira, procuramos criar uma ficha espelho, onde iriamos iniciar com dados pessoais acerca do paciente, como: nome, data de nascimento, sexo, endereço, número para contato, escolaridade, renda familiar, nome da pessoa responsável pelo paciente se houver e a Agente Comunitário de Saúde (ACS) responsável pela sua área (FIGURA 1).

Em seguida, demos início a entrevista em forma de questionário através de respostas curtas como “SIM” e “NÃO” para obter informações importantes a partir da consulta.

Perguntas como: se era a primeira vez que buscava ajuda para seu problema; se já tinha procurado por um especialista; se já passou por um processo de internação hospitalar ou  procurou outros pontos de apoio como o Núcleo de Apoio ao Saúde da Família (NASF) ou Centro de Apoio Psicossocial (CAPS); se já fez ou faz uso de drogas como cigarro, bebidas alcoólicas e outras; se possui enfermidades crônicas e quais medicamentos utiliza para se avaliar a questão da interação medicamentosa; se está com alguma queixa de ordem biológica que necessite de intervenção antes de iniciar a abordagem terapêutica do problema  mental; se já fez ou faz uso de algum psicofármaco e como foi a sua resposta em relação ao tratamento: pra que e quem o receitou; Enfim procurou-se realizar uma anamnese minuciosa, afim de que se possa dar uma assistência integral e escolher a melhor abordagem a ser aplicada.

Essas fichas serão armazenadas em pastas, podendo ser anexadas folhas com novas informações a respeito do paciente, organizadas em ordem alfabéticas. Dessa maneira, temos maior controle sobre os pacientes que fazem uso de psicofármacos na nossa área, assim como, podemos avaliar se o tratamento é o mais adequado para seu problema.

Ao mesmo tempo, podemos avaliar o tempo de uso da medicação e a possibilidade de troca para evitar a dependência, sem prejudicar o quadro do paciente.

            A dificuldade enfrentada pela equipe no primeiro momento foi conseguir atualizar a lista de pessoas com uso de psicofármacos na área e preencher os requisitos para a ficha espelho de atendimento de saúde mental. Seria um trabalho difícil e a longo prazo, mas a equipe se propôs a realizar a atividade com entusiasmo, a fim de se corrigir possíveis equívocos, fornecer um melhor acompanhamento e ter maior controle a respeito dos atendimentos relacionado à saúde mental.

 

FIGURA 1 – Ficha espelho elaborada pela nossa equipe, para os atendimentos de saúde mental.

 

Nessa direção, procuramos ajuda de outros pontos de apoio como os, disponível em nosso município e com isso contar com a colaboração de outros atores. Como o município tem uma população inferior a 20.000 habitantes, não temos em nosso território CAPS. Dessa maneira, procuramos elaborar em parceria com os profissionais do NASF e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) um protocolo de forma a ofertar uma melhor assistência aos pacientes psiquiátricos.

Nessa direção foi utilizados de ferramentas de abordagens deferenciadas como a psicoterapia, socioterapias e um conjunto amplo de dispositivos de reintegração sociocultural, destacando as cooperativas de trabalho e dando ênfase a trabalhos de grupos de apoio religioso, contando desta forma com ajuda de um trabalho multidisciplinar, buscando centralização do trabalho terapêutico na vida do próprio paciente.

Na construção de uma rede de atenção em saúde mental do município é importante destacar que todos os recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc.), sanitários (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho, escola, esporte) econômicos (dinheiro, previdência), culturais, religiosos e de lazer estão convocados para potencializar as equipes de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial, para fazer face à complexidade das demandas de inclusão daqueles que estão excluídos da sociedade por transtornos mentais (BRASIL, 2004).

Para isso, buscamos a integralidade do cuidado através de uma Rede de Atenção à Saúde (RAS) envolvendo a UBS, o NASF, atuando no suporte terapêutico com profissionais da psicologia, terapia ocupacional, farmácia e a assistência social; A SMS realizando as articulações com a rede de saúde mental em nível secundário e hospitalar.

Dessa maneira, se faz necessário um sistema de referência e contraeferência efetivo que permita a articulação e pactuação de informações entre os diferentes níveis de atenção ajudando a estabelecer a consolidação do trabalho. Dessa rede assistencial segue a imagem do instrumento de referência utilizado na Unidade Básica de Saúde (UBS), (FIGURA 2).

 

FIGURA 2 – Ficha de referência e encaminhamento disponibilizada pela secretaria.

O fluxo do paciente na rede de saúde mental inicia na UBS e dependendo do quadro apresentado são adicionados outros pontos de atenção.

Os agentes fazem a pesquisa de campo coletando informações que venham a ser uteis para elaboração de um plano de tratamento, onde são inseridos os trabalhos em grupo contando com a colaboração da família. No caso de agravamento do quadro se busca a articulação com outros profissionais da rede assistencial.

Na nossa intervenção escolhemos um caso de uma paciente da nossa area, cujo o nome será ocultado, por uma questão de sigilo médico, a qual foi elaborado uma linha de cuidado integral, para ser relatado na nossa microintervenção. A mesmo de idade de 47 anos, casada e mãe de 4 filhos, hipertensa, com histórico familiar de cardiopatia, fumante há 17 anos, nega ingerir bebidas alcoólicas. Procurou a unidade para passar por uma consulta na primeira semana de julho com o médico da equipe, a pedido do cardiologista, o qual procurou por ter sentido dor no peito a qual ela associou ao coração, falta de ar e o coração acelerado, onde após consulta foi constatado que não tinha nenhuma alteração além da hipertensão. Durante a entrevista relatou estar desempregada há 3 meses e com isso tem tido problemas financeiros em sua casa. Além dos sintomas já relatados, a mesma relata não estar conseguindo dormi e com isso tem estado muito estressada, estresse esse que relata descontar nos filhos e no marido, afetando assim o seu relacionamento familiar. A paciente se mostra muito abalada emocionalmente, vindo a chorar durante a consulta, pois relatou também que há 15 dias o marido saiu de casa para ir viver com outra mulher, o que agravou ainda mais o seu caso, pois relata estar passando muito tempo em casa chorando e que já não tem vontade de realizar suas tarefas diárias, tendo a mesma negado pensamentos suicidas. Após concluir a consulta, a paciente recebeu diagnostico inicial de depressão moderada e de ter problema de ansiedade generalizada, sendo aberto uma nova linha de cuidado para com a paciente, tendo como primeiro passo preencher a ficha espelho relacionada a sua pessoa. A mesma recebeu orientações sobre alguns hábitos de vida, a respeito de sua alimentação, práticas de exercícios e abandono de alguns maus hábitos, sendo orientada a parar de fumar. A paciente relatou já ter tentando parar de fumar por conta própria mais não conseguiu e pediu ajuda profissional para poder abandonar o fumo. A paciente foi orientada sobre a existência de um grupo criado na unidade com a iniciativa de ajudar a pessoas com problemas parecidos com os dela e foi convidada a participar desse grupo que conta com a presença de alguns profissionais do NASF, que junto com a equipe da unidade trabalha no tratamento e acompanhamento desses pacientes. E que dentro do próprio NASF existe um trabalho que auxilia aquelas pessoas que tem problema para parar de fumar (FIGURA 3). Sendo a mesmo informada que esses serviços também são realizados de forma individual com os pacientes, caso necessário e se o mesmo não tivesse interesse de participar das reuniões, tendo assim as informações coletadas durante o seu acompanhamento compartilhadas através de um sistema de referência e contrareferência, garantindo dessa forma uma linha de cuidado continuo. Sendo esta acompanhada desde de então e contando com a participação da família, buscando trabalhar as relações, criando um ambiente familiar mais saudável.

 

FIGURA 3 – Ficha de anamnese clínica para o tratamento do tabagismo

           Grande foram as dificuldades de se realizar esse trabalho devido muitas vezes a falta de registro a respeito desses pacientes, além de convencer alguns pacientes a abandonarem os medicamentos que estavam utilizando, através do desmame, pelo fato de o mesmo já ter concluído o tratamento, mas seguiu utilizando de maneira inadequada ou que a medicação a qual tem feito uso não é considerada como a de primeira linha no tratamento para o seu problema apresentado, tendo mesmo os riscos superados os benefícios. Foi encontrada certas resistências em faze-los compreender a importância de procurar optar inicialmente por começar por um tratamento não medicamentoso, dando ênfase da importância dos trabalhos em grupos através dos relatos de outros pacientes participantes, trabalhos manuais através das oficinas de trabalho e os trabalhos como os de grupos de apoio religioso. Além, claro de lidar com os problemas com os quais eles tem que lidar diariamente, sejam eles sociais, econômicos, afetivos, entre outros. Esperamos que com as práticas adotadas possamos diminuir o consumo inadequado dos psicofármacos, ter maior controle do número de pacientes psiquiátricos da nossa área, lhes fornecer uma linha de cuidado mais humanizada, que não envolvam apenas um tratamento medicamentoso, mas buscando o tratamento através de outras práticas não medicamentosas, como as descritas nessa microintervenção. E procurar ajuda-los a lidar melhor com os problemas ambientais, externos ao qual estão expostos, de maneira que eles possam adquirir maior controle sobre seu estado físico, emocional e mental.

Referência :

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004, p. 9-84.

 

GUSSO, G. D. F., LOPES, J. M. C. Tratado de Medicina de Família e Comunidade – Princípios, Formação e Pratica. Porto Alegre: ARTMED, v. 2, n. 1, p. 781, 2012.

 

VIETTA, E. P. et al. Reflexões sobre a transição paradigmática em Saúde Mental. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 9, n. 2, p. 97-103, 2001.

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