11 de dezembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

A saúde mental no Brasil tem uma história conturbada, com uma sequência de abusos, entre eles o confinamento, maus tratos, e muitas vezes tratamentos desnecessários e cruéis perpetuados pelos manicômios. Avanços recentes deram ênfase a descentralização, à necessidade de manter os indivíduos em sofrimento psíquico inseridos em sociedade para sua melhor recuperação, e portanto, a criação de centros de atendimento especializados a nível ambulatorial, assim como equipes de apoio na atenção básica a fim de alcançar um maior número de pessoas previamente sem acesso a esta modalidade de atendimento (COSTA, 2011).

O estado do Amapá vem acompanhando estas mudanças, embora algumas particularidades locais dificultem sua plena implantação, como a escassez de profissionais capacitados trabalhando na área de saúde mental.

Em reunião mensal realizada com a equipe 086 da UBS do bairro Novo Horizonte,  foi feita a distribuição aos ACS de uma planilha (apêndice 1) que visava o levantamento de dados da área sobre a quantidade de usuários em uso de psicotrópicos, seu tempo de uso e dosagens, dados estes que a equipe não possui atualmente, a fim de identificar o perfil da área, potenciais falhas, pontos de interesse, e talvez, futuramente , a possibilidade de criação de grupos de acompanhamento e apoio locais para enfermidades específicas. 

Em resultados iniciais, os ACS vem fazendo um bom avanço em quantificar os usuários da região em uso de psicotrópicos, porém, a persistência de alguns tabus sociais relacionados à questão da saúde mental tem apresentado desafios à plena realização deste trabalho.

A partir de dados anedotais, já podemos destacar algumas questões que merecem atenção especial, como por exemplo, a falta de medidas específicas da equipe como um todo para a identificação e acolhimento precoces de pacientes em sofrimento psíquico, resultando muitas vezes no agravamento de casos que se beneficiariam de um acompanhamento médico/psicológico inicial mais urgente, o alto número de pacientes em uso de psicotrópicos sem acompanhamento específico há anos, sem reajuste de doses ou avaliações para a possibilidade de retirada da medicação. 

Dentro deste contexto, pode-se destacar ainda a aparente pouca resolutividade da rede básica ao se levar em conta o alto índice de encaminhamentos para serviço especializado, inclusive de casos passíveis de resolução à nível local, o quê é confirmado por dados fornecidos pela coordenação do CAPS III de Macapá, que acusa um grande número de pacientes em tratamento para depressão, os quais poderiam estar sendo acompanhados na atenção básica.

Este ponto talvez seja em parte uma consequência do considerável período em que a cidade ficou sem profissionais médicos em cerca de metade das equipes de saúde da família, e, em menor escala, um reflexo de comportamentos sociais antigos acostumados a tratar a saúde mental de forma isolada.

Ademais, estes costumes e tabus também estão presentes nos próprios usuários. Embora apenas o CAPSad na cidade de Macapá esteja plenamente habilitado perante o Ministério da Saúde no Amapá, o CAPS III, em processo de regularização, atende a população através de encaminhamento e demanda espontânea, com dois psiquiatras no quadro e diversos grupos de apoio, com parte dos usuários preferindo procurar estas unidades diretamente, o quê poderia ser corrigido com um maior esclarecimento por parte da população quanto à disponibilidade de atendimento enfocado na saúde mental na atenção básica.

Ainda no que toca ao funcionamento dos CAPS na cidade de Macapá, destaca-se em nossa equipe o caso de P. H. S. C., 08 anos, sexo masculino, diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA) há cerca de 4 anos. A mãe deste paciente procurou o CAPSi de forma espontânea para início de atendimento, sem sucesso, e posteriormente, ao buscar a UBS, recebeu encaminhamento para atendimento especializado, sendo realizado acompanhamento pelo Hospital das Clínicas local, até que em consulta recente, o paciente foi corretamente referenciado ao CAPSi, iniciando seu atendimento neste local prontamente. 

Observam-se aqui grandes deficiências na rede de atenção à saúde mental da cidade de Macapá, tanto no que toca ao referenciamento e contra-referenciamento de pacientes quanto ao acesso dos pacientes à atenção secundária. O aumento de participação da atenção primária neste tópico, pode auxiliar em algumas destas questões, tanto ao diminuir a frequência de procura a atenção secundária, como ao ajudar a talvez estabelecer novos meios de abordagem à este segmento da população, através do mapeamento do perfil e necessidades dos usuários da área, o quê torna imprescindível a continuidade deste trabalho iniciado nesta microintervenção pelos membros da equipe.

 

Tabela de Psicotrópicos

 Tabela de uso de psicotrópicos.

 

Referências

COSTA, Nilson do Rosário et al. Reforma psiquiátrica, federalismo e descentralização da saúde pública no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4603-4614, Dec.  2011.   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011001300009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 24 set.  2018.

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