22 de outubro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

A PRECÁRIA SITUAÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA CIDADE DE NATAL – RN.

ESPECIALIZANDA: Mayra Matias Da Costa

ORIENTADORA: Maria Betânia Morais De Paiva 

 

          Assim que iniciei atendimentos na Unidade Básica de Saúde (UBS) Potengi, localizada na zona norte de Natal-RN o que, de imediato, me chamou a atenção, foi a quantidade de pacientes em uso de benzodiazepínicos e a frequente queixa de crises de ansiedade e insônia, geralmente associadas a grande preocupação financeira e problemas familiares.

          Desde então, vi o quanto a crise recente de nosso país fez diferença na saúde, principalmente mental, da população economicamente ativa. Ademais, é nítido a quantidade de pessoas, principalmente após os 60 anos, que sempre vão até a unidade a procura “do remédio pra relaxar”, como costumam se referir às medicações prescritas nos famosos receituários azuis, tais como Clonazepam e Diazepam.

          Também relacionado à saúde mental, o que me impressionou muito foi a quantidade de dependentes químicos em minha área, principalmente alcoólatras, chegando a ter óbito de paciente de 54 anos em sequela do etilismo crônico.

          Afim de tentar ter um controle melhor e maior de quem são esses pacientes e quais as medicações e em qual posologia eles usam, criei um formulário padrão e individualizado, contendo dados tais como o nome completo e endereço do paciente, idade, número do prontuário e do cartão SUS, as medicações e formas de uso detalhadas, o diagnóstico e a data do próximo retorno. Ademais, deixei em separado uma agenda de 2018 apenas para saúde mental em que, a cada atendimento, já deixo marcado o dia em que o paciente deve retornar.

          Dentre os tantos atendimentos, o que mais mexeu comigo foi o paciente R.S.S, 44 anos, dependente químico em grave crise de abstinência. O paciente foi em consulta pois eu já havia há cerca de 2 meses feito encaminhamento para serviço de psiquiatria, o qual ainda não havia sido liberado via regulação a consulta com especialista.

          O paciente, além de dependente químico, é portador do Vírus da Imunodeficiência humana (HIV), e não faz adesão adequada ao tratamento, pois o vício o impede de ter continuidade no uso de medicações. Aos prantos, o paciente me mostrou uma foto dele em um documento há cerca de 10 anos atrás, apontando quão irreconhecível ele estava. Eu, inicialmente pensei ser até outra pessoa, pois a pessoa retratada em documento e a que estava em minha frente realmente não tinham nada de parecido, estando atualmente mais de 30 quilos mais magro do peso em que estava em tal foto.

          O pai deste paciente, já bem idoso, é o responsável legal do mesmo, sendo responsável até mesmo por receber mensalmente e administrar o benefício que o paciente recebe do governo, para pagar a pensão dos dois filhos adolescentes que R.S.S. tem. O paciente tem consciência de que, qualquer dinheiro em sua mão, é convertido em entorpecentes.

          Ele me contou que vinha de uma internação de 2 meses em clínica para dependentes químicos, estando há um mês em casa. O paciente relatou grande vontade de atentar conta a própria vida, tal a angústia e desespero que estava sentindo. Me disse que estava passando o dia trancado dentro do quarto, com controle das chaves da porta feito por sua mãe, pois sabe que, se sair, irá atrás de droga. Ele relatou até mesmo preferir se manter isolado, pois tem tido crises de agressividade em que, estando sozinho não “desconta em quem não merece”.

          R.S.S. é usuário de diversos entorpecentes, mas, principalmente, dependente de cocaína. Após a cessação do uso de cocaína, é comum o aparecimento de anedonia e fissura. A descrição de um quadro bem definido de abstinência, assim como sua duração ainda não é consenso. Em geral, o quadro é descrito como trifásico. A primeira fase, denominada “crash”, tem duração de horas a cinco dias e se caracteriza por fissura intensa no início, irritabilidade e agitação, evoluindo para hipersonolência, depressão, anedonia e exaustão, acompanhados de uma redução na fissura. Abstinência é a segunda fase, que se inicia com a reemergência da fissura e sintomas depressivos e ansiosos, podendo durar até dez semanas. Após este período, há a terceira fase, quando há uma redução gradativa da fissura e tendência a normalização do humor, sono e ansiedade (AMARAL; MALBERGIER; ANDRADE, 2010).

          Estando, naquele momento, na fase de fissura, o paciente estava há 2 semanas sem medicação, pois havia recebido alta da clínica com medicação para cerca de um mês de tratamento, mas havia usado algumas em quantidade maior do que prescrito, devido à enorme ansiedade e fissura que estava sentindo. E, infelizmente, recebeu alta sem seguimento com nenhum especialista.

          Ao tentar atendimento no Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) da zona norte, não foi acolhido de forma adequada, pois foi informado que, devido ao grande número de usuários, iria demorar a conseguir consulta com psiquiatra.

          O que pude fazer foi, então, repetir as receitas com as medicações da alta da clínica e tentar entender melhor o possível fluxo existente na rede de saúde do município. Providencialmente, algumas semanas após esse episódio, a reunião Loco-regional do Programa Mais Médicos do município iria tratar sobre a rede de saúde mental.

          Ansiosa para tal reunião, saí de lá, eu e todos os colegas, mais uma vez, extremamente frustrados. Uma representante da secretaria de saúde do município foi convidada para palestrar sobre a rede de saúde mental, porém nem ela mesma soube falar sobre a existência de fluxogramas de referenciamento aos pacientes e se comprometeu a nos enviar por email documentos mais esclarecedores que, segundo ela, existiam. Porém, até agora, continuamos sem respostas.

          A realidade da saúde mental no município de Natal é extremamente desanimadora. Até agora, nunca consegui consulta com especialistas dos pacientes que eu referenciei e que estão aguardando, via regulação, a liberação de suas consultas e sei da minha grande limitação em relação a meu conhecimento médico já que, não se comparam os meus conhecimentos aos de um especialista que se dedicou, além dos 6 anos da faculdade de medicina por, no mínimo, 3 anos a mais, numa residência de psiquiatria.

 

 

REFERÊNCIA

  1. AMARAL, R.A., MALBERGIER, A., ANDRADE, A.G. Manejo do paciente com transtornos relacionados ao uso de substância psicoativa na emergência psiquiátrica. Rev. Bras. Psiquiatr. v 32. SII. [online]. 2010.

 

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