TÍTULO: CONHECENDO A REDE DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL NO MUNICÍPIO DE MACAPÁ-AP.
ESPECIALIZANDO: JOSE VICENTE DA SILVA MARQUES JUNIOR
ORIENTADOR: CLEYTON CÉZAR SOUTO SILVA
O sofrimento psíquico não deve ser apreendido como sinônimo de dor e de perda, muito embora possa estar atrelado a esses aspectos, mas compreendido como uma ameaça de ruptura da unidade/identidade da pessoa, que pode surgir quando um indivíduo é privado ou tem limitações de uma ou várias esferas que compõem a sua vida, tais como: projetos futuros; pertencimento familiar e grupal; universo cultural; dimensão política; papéis sociais, relações de trabalho, entre outras (BRASIL, 2013).
No Brasil, mesmo com a ambulatorização ocorrida a partir da década de 1970 como solução para a assistência psiquiátrica, continuou a existir a lógica massificadora da assistência hospitalocêntrica e sua consequente ampliação da demanda com o aumento dos leitos contratados, promovendo a cronificação de sua clientela e a indução à farmacodependência (ALVES; GULJOR, 2004).
Com o passar do tempo em consonância com os preceitos da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição Federal de 1988 desencadeou uma série de mudanças nas modalidades de cuidado em Saúde Mental, a qual destronou o modelo centrado exclusivamente no hospital psiquiátrico, para ações e modelos mais humanizados em dispositivos abertos e inseridos na comunidade (BRASIL, 2005; TENÓRIO, 2002; SILVA, 2009).
O que se preconiza é que se deva garantir maior resolubilidade e capacidade da Rede Básica de Atenção, com capacitação em Saúde Mental das equipes da ESF, garantindo a integralidade da atenção, dimensionando equipes especializadas de referência que podem ser específicas ou aquelas dos serviços de Saúde Mental já existentes (BRASIL, 2005).
Os profissionais de saúde costumam refletir consigo e por vezes ficam em dúvida sobre quais situações de sua realidade cotidiana necessitam de intervenções em Saúde Mental. Nesse sentido, salienta-se que as práticas em Saúde Mental na Atenção Primária podem e devem ser realizadas por todos os profissionais de saúde, o que deve ter como elemento balizador o entendimento do território e a relação de vínculo da equipe de saúde com os usuários (BRASIL, 2013).
Como forma de melhoria tanto para avaliação externa do PMAQ, quanto para assistência em Saúde Mental de forma integral, foi revisto a forma de registro e acompanhamento para obtenção dos requisitos mínimos.
Os pacientes que necessitam da assistência em Saúde Mental são escassos, e a grande maioria deles já fazem acompanhamento pelo serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas Doutor Alberto Lima.
A Secretaria Municipal de Saúde de Macapá não fornece em nenhuma unidade de saúde a dispensação de qualquer medicação de uso psiquiátrico como: ansiolíticos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, estabilizadores de humor, etc. A única forma de dispensação de tais medicamentos é feita pela Secretaria Estadual do Amapá, por meio do Hospital de Clínicas. Porém existe toda uma burocracia para realização de um cadastro e a oferta de medicamentos não supre a demanda de usuários, que na maioria das vezes precisam comprar as medicações com próprio dinheiro.
Dentro da Unidade de Saúde Marcelo Candia não existe qualquer registro do número dos casos mais graves de usuários em sofrimento psíquico por serem em menor quantidade. Também pelo baixo número de pacientes, não é feito ações coletivas que abordam o uso crônicos de ansiolíticos e entre outros.
Então para melhor sistematização da assistência prestada foi elaborado um registro de acompanhamento em Saúde Mental, anexado ao final do documento, com toda equipe de saúde presente, dando sugestões para obtenção de uma planilha de fácil preenchimento e com todas as informações relevantes do usuário, conseguindo visualizar o indivíduo como um todo.
Em Macapá existem dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o primeiro de nível III, mas em visita foi verificado diversos problemas junto com a coordenação, como a falta de atendimento 24 horas por dia, e atualmente não é habilitado junto ao Ministério da Saúde. Já o segundo é o CAPS AD, onde os pacientes são atendidos tanto por demanda livre como encaminhamentos de outros setores, e segue todos os padrões exigidos pelo Ministério da Saúde. Ambos os CAPS são sobrecarregados pela alta procura e encaminhamento de pacientes, tornando a fila de espera para atendimento extremamente grande.
Nesse capítulo foi escolhida para relato um usuário de 17 anos de idade, 3º ano do Ensino Médio em andamento. Foi realizada a consulta de demanda espontânea junto com a mãe em maio/2018, e a genitora queixava-se que a filha estava com comportamento estranho há cerca de 1 ano, como agitação, sentimento de inutilidade, insônia, humor deprimido. Conta ainda uma mudança agressiva de comportamento, ficando eufórica, pensamento rápido, e sensação de poder. Durante toda consulta paciente se recusou a interagir, ficando em silêncio durante toda a consulta. Após hipótese diagnóstica de Transtorno Afetivo Bipolar, foi encaminhado por meio de referência para serviço de Psicologia e Psiquiatria, para confirmação diagnóstica, e pelo risco de suicídio e virada maníaca. Como tratamento foi iniciado Ácido Valpróico 250mg 1x/dia.
Passado cerca de 1 mês, paciente retornou em consulta junto com sua mãe, que conta melhora discreta sobre comportamento da filha. Teve consulta com psicóloga do NASF, que ouviu e realizou as orientações para seguimento. Na parte de psiquiatria não houve sequer o agendamento da consulta médica, devido a fila de espera ser grande.
A articulação entre ESF e NASF foi de forma efetiva, compartilhamos dos mesmos pacientes e do mesmo espaço dentro da UBS, ficando fácil o contato entre as duas equipes, seja na parte de psicologia, como nas demais áreas. Sendo assim, não há o que reclamar sobre o processo de matriciamento e elaboração de plano para a paciente de modo singular, e visualizando o meio em que está inserida, como família, vizinhança e escola.
Já sobre ESF e CAPS, houve o encaminhamento por meio de referência para o setor de Psiquiatria, mas até o mês de agosto ainda não se teve o processo de contrareferência devido à grande demanda do serviço.
Sobre dificuldades encontradas na elaboração do registro, verificou-se um conhecimento limitado sobre a Política Nacional de Saúde Mental entre os membros da equipe, onde não estão habituados a exercerem na prática a política pública, seja por baixo número de usuários, seja por estigmas que ainda ocorrem em pacientes da Saúde Mental, que acabam sendo rotulados.
No processo de articulação com CAPS, houve a dificuldade no processo de referenciamento e contrareferenciamento. Conforme explicado anteriormente existem apenas 2 CAPS, sendo apenas 1 regulamento, e a demanda de usuários são imensas, onde a paciente sequer conseguiu agendar consulta médica com especialista, o que traz danos ao processo de cuidado integral.
Sobre as potencialidades do processo, vejo a abordagem da Política Nacional em Saúde Mental com uma forma de expandir o conhecimento dos profissionais durante a elaboração do registro de acompanhamento de pacientes, e aos poucos quebrar paradigmas sobre o estereótipo do paciente da Saúde Mental.
Tal módulo também permitiu um conhecimento aprofundado, entendendo mais sobre as redes de atenção em saúde, e a importância da atenção básica em realizar o seguimento de casos menos complexos e evitar a sobrecarga de outros setores, como ocorre em Macapá.
REFERÊNCIAS
ALVES, D. S.; GULJOR, A. P. O Cuidado em Saúde Mental. In: PINHEIRO, R.; MATTOS. R.A (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec, 2004. p. 221-240.
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental no SUS. Informativo da Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. v. 4. n. 21.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. 176 p. (Cadernos de Atenção Básica, n. 34).
SILVA, M. B. B. Reforma, responsabilidades e redes: sobre o cuidado em Saúde Mental. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 149-158, 2009.
TENÓRIO, F. A reforma psiquiátrica brasileira da década de 1980 aos dias atuais: história e conceito. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 9, n. 1, p. 25-59, 2002.
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