TÍTULO: MATRICIAMENTO EM SAÚDE MENTAL NA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE
ESPECIALIZANDO: ISMEL SAUL GARCIA TOLEDO
ORIENTADOR: MARIA BETÂNIA MORAIS DE PAIVA
A saúde mental ainda é um campo aberto à discussão e reflexão. A Organização Mundial da Saúde estimava que cerca de 450 milhões de pessoas sofressem com transtornos mentais ou neurobiológicos, ou então de problemas psicossociais, como os associados com o abuso de álcool ou outras drogas. Destas, muitas sofrem com a existência de poucos recursos, em silêncio (OMS, 2001).
No Brasil a reforma psiquiátrica vem avançando nas discussões sobre a reorientação do modelo assistencial agora voltado para os serviços comunitários e nesse contexto a Estratégia de Saúde da Família (ESF), serviria como importante articulador da rede de saúde mental, no intuito de superar concepções fragmentárias dos serviços e centrar o cuidado na família, no usuário e no local onde vivem ( ANTONACCI; PINHO 2011).
Na minha UBS, assim como em muitos outros cenários em todo o Brasil, a doença mental está entre as principais causas de consulta médica a cada mês, com mais de 20% do total de pacientes atendidos. A grande maioria desses pacientes mesmo sem diagnóstico comprovado de transtorno mental consome vários psicotrópicos em doses frequentemente altas e por períodos muito longos. Em sua totalidade a dependência causada por estas drogas dificulta o avanço nas tentativas de mudar essa realidade. Não é um problema que pode ser resolvido em um curto período de tempo, pois requer abordagens seguras e cientificamente embasadas o que exigirá tempo e esforço conjunto de todos os atores responsáveis. Além disso, dadas às características da população que servimos, há um grande número de pessoas que consomem álcool e outras drogas. Outra problemática identificada é que a rede de saúde mental do nosso município não tem a quantidade necessária de profissionais, psicólogos e psiquiatras, para atingir a demanda total da população, limitando a qualidade do cuidado desses pacientes desde a atenção básica.
Devido à magnitude do nosso município com uma população de mais de 300.000 habitantes, a rede de saúde mental que suporta a atenção básica é composta de:
– Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF);
– Um ambulatório para consulta especializada (PAM);
– (01) Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS I);
– (02) Centros de Atenção Psicossocial (CAPS II);
– (01) Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD);
Além destes serviços, nas urgências e nos casos que precisam internação o município conta com as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) que encaminham para o Hospital Regional Tarciso Maia, os pacientes com surto, onde o mesmo regula para o Hospital Psiquiátrico São Camilo. Embora seja uma rede estruturalmente ampla, na realidade do dia a dia, a demanda supera a capacidade instalada, pois não existe um suporte adequado de profissionais na atenção especializada e não tem vagas suficientes no centros hospitalares para cobrir toda a demanda.
Apesar de todas as dificuldades, a Equipe Saúde da Família (ESF) iniciou um conjunto de ações para minimizar essa situação, começando com a elaboração do registro de pacientes com sofrimento mental e pessoas em uso crônico de psicotrópicos e usuários de álcool e outras drogas. Além do registro, foi desenvolvido um programa de ações para casos de sofrimento mental grave e para usuários de álcool e outras drogas a serem realizados em conjunto com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
Como exemplo de matriciamento na saúde mental, a seguir, relacionamos a história de um caso de nossa área de abrangência, na qual trabalhamos em conjunto com a rede de saúde mental.
Trata-se de uma mulher de 36 anos, analfabeta, dona de casa e mãe de três filhos de 5, 8 e 14 anos de idade, o esposo sem emprego fixo, e alcoólatra. A paciente por causa de sua obesidade progressiva entrou num processo de auto enclausuramento, praticamente não sai de sua casa, dizendo que se sente constrangida e também sente medo de que as pessoas zombem dela. Como resultado disso a obesidade continua aumentando, agora é muito grave, com dificuldade em executar tarefas domésticas simples, como cuidar dos filhos e outras responsabilidades como mãe e esposa, ficando sobre os ombros de sua filha mais velha de apenas 14 anos todas a tarefas domésticas. Como seria de esperar, toda esta situação levou a um crescente e crônico sofrimento mental que desencadeou um crescente uso de psicotrópicos, entrando num ciclo vicioso em que a sua obesidade leva à depressão e isolamento, causando mais obesidade. Diante dessa situação, a nossa equipe decidiu construir uma linha de cuidados para diminuir o sofrimento dessa família. Entre os problemas de saúde identificados na família temos:
– Mulher: Obesidade grau III e possível associação com hipertensão arterial, diabetes mellitus e outras doenças crônicas, sofrimento psíquico crônico, uso crônico de psicotrópicos.
– Marido: sofrimento psíquico crônico, alcoolismo
– Filhos: Possível sofrimento psíquico crônico. (Confirmado posteriormente na avaliação do adolescente).
Para a criação da linha de cuidado nesse caso, o primeiro passo foi uma reunião com a gerência das UBS com o objetivo de garantir os recursos necessários para a atenção continuada do nosso caso, os reajustes de horários de trabalho dos profissionais envolvidos na mesma e coordenação com os profissionais e apoiadores da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através do NASF e dos CAPS do nosso município. Posteriormente, foram realizados reuniões com todos os profissionais envolvidos no projeto de intervenção.
Nessa direção, o suporte dos profissionais da rede psicossocial foi útil para os fins que se seguem: esclarecimento diagnóstico; estruturação do projeto terapêutico; abordagem familiar. Este apoio é realizado como interconsultas, consultas conjuntas e visitas domiciliares conjuntas.
No projeto de intervenção foram propostas as seguintes linhas de trabalho:
1- Abordagem biológica e farmacológica da avaliação clínica geral do paciente e de outros membros da família para o diagnóstico e tratamento de doenças orgânicas.
2- Abordagem psicossocial e familiar para avaliação e diagnóstico de graus de sofrimento psicológico e implementação de estratégias de intervenção.
Dentro das estratégias selecionadas para essa finalidade destacamos as seguintes propostas: a utilização de técnicas educativas com a incorporação de grupos como:
– Alcóolicos Anônimos (AA);
– Atividade Física;
– Doenças Crônicas não Transmissível (DCNT);
– Adolescentes,
técnicas de Intervenção através de ferramentas de cuidado como:
– terapia de resolução de problemas;
– Terapia interpessoal curta, terapia comunitária integrativa;
– intervenção breve para o uso de substâncias psicoativas.
3- Apoio ao Sistema de Saúde para garantir os recursos materiais e humanos necessários para cumprir o cronograma de atividades.
4- Apoio da rede comunitária, principalmente, de centros educacionais, sociais, religiosos e outros.
Na atualidade a linha de cuidado está na fase do acolhimento e do início da intervenção, por isso não é possível falar em resultados, embora já possamos comentar alguns aspectos positivos como a aceitação pelos dois adultos da existência de um problema familiar, que afeta a vida de todos e a necessidade de resolvê-lo. Outro ponto positivo é o apoio da comunidade , das instituições sociais e da igreja na criação de espaços e colaboração para a implementação de atividades de grupo.
Como aspectos negativos, devemos assinalar o não cumprimento de algumas visitas domiciliares programados devido a dificuldades de transporte, a falta de um psiquiatra disponível na UBS para intervenções e consultas conjuntas,pois só estão disponíveis para interconsultas nos centros de referência, o que limita a profundidade das ações. Outra situação limitadora é que a paciente não quer sair de casa e a psicóloga da UBS, muitas vezes, não está presente quando precisamos que nos acompanhe nas visitas domiciliares. Vale destacar também a impossibilidade da inserção em nossa comunidade das Práticas Integrativas e Complementares por não tê-las disponível no momento, as quais tem demonstrado eficácia e são amplamente utilizados nesses casos em nível mundial.
REFERÊNCIAS:
ANTONACCI, M. H.; PINHO, L. B. Saúde Mental na atenção básica: uma abordagem convergente assistencial. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 32, n. 1, p. 2, 2011.
Organização Mundial da Saúde. Relatório sobre a saúde no mundo 2001 – Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: OMS, 2001.
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