23 de outubro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

A BUSCA DO DESMAME DE BENZODIAZEPÍNICOS EM UMA PARCELA ADSCRITA DA POPULAÇÃO

 

ESPECIALIZANDO: Indy Lopes Batista                   

ORIENTADOR: Maria Betânia Morais de Paiva

                          

 

Os benzodiazepínicos estão no grupo das drogas mais prescritas no Brasil e no mundo para o tratamento de quadros agudos de ansiedade, insônia e crises convulsivas. Não é recomendado seu uso por mais que 04 meses, pois, após esse período, há uma perda considerável de sua eficácia tornando o usuário dependente e tolerante, necessitando de doses cada vez maiores (NORDON; HÜBNER, 2009).

Ansiedade, depressão e distúrbios do sono são comuns, podem aumentar os riscos de doenças cardiovasculares e prejudicar a qualidade de vida dos idosos(RODRIGUES et al, 2015). Benzodiazepínicos (BZD) e os mais novos agonistas dos receptores benzodiazepínicos (zolpidem, zopiclone e zaleplon) são amplamente utilizados para controlar essas condições, especialmente nos mais velhos(CIHI, 2018). Na maioria das vezes, não há uma indicação precisa, e essas drogas são prescritas por tempo prolongado e em monoterapia para tratamento de transtornos depressivos leves, ansiedade e insônia  (FIRMINO et al., 2011). De acordo com o Instituto Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência (NICE), situado em Londres, os benzodiazepínicos são aprovados apenas para uso em curto prazo devido aos riscos de comprometimento cognitivo, quedas, fraturas e acidentes automobilísticos, bem como pela possibilidade de promoverem abuso e dependência, especialmente em idosos.

Pouco se sabe sobre a história natural do transtorno do uso de BZDs. A forma mais grave é considerada um distúrbio crônico, recidivante, semelhante a outros transtornos por uso de substâncias. O transtorno pelo uso pode ser caracterizado por: uso em grandes quantidades ou por um período maior do que o pretendido; desejo persistente ou esforços malsucedidos para controlar o uso; abandono ou redução de atividades importantes devido ao uso; uso recorrente em situações de risco ou continuado apesar de problemas resultantes persistentes; evidência de tolerância ou retirada. Pedidos de aumento da dose, falta precoce de medicamentos, resistência a mudanças na terapia apesar dos efeitos adversos, recusa ao monitoramento (por exemplo, contagem de comprimidos) e prescrição “perdida” ou “roubada” são comportamentos que reforçam a suspeita de uso indevido (LARANCE et al., 2011).

Geralmente, o primeiro profissional a ter contato com o paciente com problemas psicológicos é o médico da atenção primária, por isso, é de extrema importância que ele conheça os casos em que há indicações de benzodiazepínicos e sua farmacologia, a fim de efetuar diagnóstico e prescrição corretos. (NORDON; HÜBNER, 2009; LIRA, 2014).

Observou-se durante os oito meses correntes de inserção e atuação na Equipe 113 da Unidade de Saúde da Família do Vale Dourado, em zona norte de Natal/RN, um índice alto de usuários de benzodiazepínicos, sem histórico preciso de indicação e de uso de forma crônica, levando à necessidade de uma investigação para possível desmame dos casos com uso indiscriminado ou que desenvolveram dependência. Primariamente, a própria necessidade de renovação da “receita azul” junto com o controle rigoroso das farmácias na dispensação do medicamento permitem as possibilidades de encontros subsequentes com o usuário, permitindo firmar uma relação médico-paciente, resultando em uma boa porta de entrada para uma orientação verbal quanto ao possível desmame de benzodiazepínicos.

                Além do número isolado de usuários de benzodiazepínicos, a presença de um grupo de saúde Mental “Vida que te quero, viva!”, fundado há anos na própria Unidade de Saúde do Vale Dourado, no Distrito Sanitário Norte II, mostra a necessidade de uma proposta intervencionista nessa comunidade. Apesar das reuniões do grupo estarem mais esparsas no período vigente, e, atualmente serem lideradas e mantidas apenas pelos agentes de saúde, tem-se um campo vasto de exploração pela frente.

Diante de uma dificuldade na referência ao especialista psiquiatra, da ausência de um apoio matricial como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Núcleo Ampliado em Saúde da Família (NASF), e, do já mencionado elevado número de usuários de benzodiazepínicos pensou-se na elaboração de um questionário voltado a esses usuários, inspirando-se nas reuniões semanais de equipe e no cotidiano médico em consultório, que é respondido na própria consulta de forma indireta. De acordo com as respostas dadas pelo paciente, cogita-se então a possibilidade de iniciar o desmame do benzodiazepínico.

A retirada de um benzodiazepínico deve ser feita de forma gradual, ao longo de algumas semanas, para minimizar a emergência de sintomas de abstinência. Embora um período de 4 a 8 semanas seja suficiente para a maioria das pessoas, a velocidade da redução costuma ser determinada pela capacidade do indivíduo de tolerar os sintomas secundários ao processo de suspensão. Períodos longos (superiores a 6 meses) devem ser evitados para que a retirada do benzodiazepínico não se torne o foco maior de preocupação em saúde da pessoa. Por mais que exista a possibilidade de ajustar a velocidade do processo de suspensão, deve ser estabelecido desde o início um calendário de retirada, buscando firmar um compromisso entre médico e paciente quanto à retirada do fármaco (TELESSAÚDE, 2018).

Seguindo as instruções de algumas diretrizes de desmame foi iniciado o processo em um determinado número de pacientes da comunidade, em torno de 5 a 7 pacientes, com a simples mudança de forma farmacêutica, de comprimido para líquido (gotas), permitindo assim o melhor controle e retirada gradual em semanas, observando de perto a resistência e possíveis efeitos colaterais. A suspensão ainda não é resultado concreto dessa microintervenção, todavia observam-se pacientes que iniciaram com uma dose de 2mg/dia de clonazepam e hoje se encontra com 14 gotas/dia. Os planos consistem em manter esses pacientes na dose mínima ou até suspender, e, direcioná-los para medidas intervencionistas não-farmacológicas como terapia de grupo e/ou psicoterapia.

 

Questionário:

 

Paciente 1

Paciente    2

Quando iniciou o benzodiazepínico?

 

 

Qual médico prescreveu?

– Médico da família

– Psiquiatra

-Médico de outra especialidade

 

 

Medicação é contínua ou esporádica (quando   precisa)?

 

 

A medicação é comprada ou dispensada em   algum posto /instituição pública?

 

 

Só dorme com a medicação?

 

 

Tem vontade de parar?

 

 

Está disposto a iniciar possível desmame?   Pode iniciar um processo de desmame?

 

 

 

Referências

 

Canadian Institute for Health Information (CIHI). Drug use among senior in Canada, 2016. Ottawa, ON: CIHI; 2018. Disponível em www.cihi.ca/sites/default/files/document/drug-use-among-seniors-2016-en-web.pdf

FIRMINO, K.F. et al. Fatores associados ao uso de benzodiazepínicos no serviço municipal de saúde da cidade de Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 27, n. 6, p. 1223- 1232, 2011.

LARANCE B., DEGENHARDT L., LINTZERIS N. et al. Definitions related to the use of pharmaceutical opioids: extramedical use, diversion, non-adherence and aberrant medication-related behaviours. Drug Alcohol Rev 2011; 30:236.

LIRA, A. C. de. Perfil de usuários de benzodiazepínicos no contexto da atenção primária à saúde. Rev. APS, Juiz de Fora, v.17, n. 2, p.223-228, abr/jun. 2014.

National Institute of Clinical Excellence (NICE). Techonology Appraisal 77: Guidance on the use of zaleplon, zolpidem and zopiclone for the short-them manangement of insomnia. April 2004. Londom, United Kingdom.

NORDON, D.G.; HÜBNER, C.V.K. Prescrição de benzodiazepínicos por clínicos gerais. Diagn Tratamento; v.14, n. 2, p. 66-69, abr/ jun. 2009.

RODRIGUES, G.H. et al. Depression as a Clinical Determinant of Dependence and Low Quality of Life in Elderly Patients with Cardiovascular Disease. Arq Bras Cardiol. 2015 Apr 14.

Telessaúde RS/UFRGS. Núcleo de Telessaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/ps-ansioliticos-benzodiazepinicos-dependencia. Acesso em 23/09/2018.

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