10 de agosto de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL E A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NA CIDADE DO NATAL

 Especializanda: CAROLLYNE DANTAS DE OLIVEIRA

Orientador: Isaac Alencar Pinto

                A microintervenção a ser relatada discute a respeito da atenção à saúde mental dispensada aos pacientes na atenção primária. Desde aqueles que fazem uso regular de um benzodiazepínico, como aqueles pacientes que necessitam de um cuidado mais intensivo, e até mesmo de outros setores da rede de atenção psicossocial (RAPS). 

               A microintervenção teve como objetivo descrever a RAPS da cidade do Natal, relatando os pontos fortes e as fraquezas existentes nesse importante setor de assistência à população. Além disso procurou-se melhorar pontos avaliados pelo PMAQ como o controle do uso crônico de medicamentos a exemplo dos benzodiazepínicos e antipsicóticos.

               Na discussão com a equipe de saúde a respeito do acompanhamento de pacientes com sofrimento psíquico foi percebido que os mesmo não apresentam um tratamento diferenciado em relação aos demais pacientes. Sendo assim os pacientes que precisam de consulta marcam através de seus agentes de saúde, ou vindo até a unidade. De modo geral o tempo de espera para uma primeira consulta é em torno de 15 dias, podendo ser antes a depender do quadro clínico e da necessidade do paciente. Após a primeira consulta os paciente já conseguem manter um acompanhamento regular, pois as consultas de retorno são facilmente marcadas pelo próprio médico no momento do atendimento. 

              Entretanto, infelizmente, foi percebido na reunião da equipe que muitos pacientes ficam sem um cuidado longitudinal, e permanecem apenas renovando a receita de suas medicações (benzodiazepínicos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, antidepressivos, estabilizadores do humor, entre outros). Não existem ações organizadas para oferecer suporte à essas pessoas, e nem desestimular o uso de tais medicações quando desnecessárias. 

              Está sendo levantada formas de melhorar essa assistência, a serem discutidas em reuniões seguintes, como palestras, círculos de conversa, e grupos terapêuticos; e sobretudo estimular os pacientes a deixarem o uso inapropriado principalmente de benzodiazepínicos, embora não seja uma tarefa fácil. Foi pensado também em um controle de acompanhamento para esses pacientes, através do cadastro em planilhas (Figura 1 e 2).

 

 

Figura 1: Tabela para o acompanhamento de pacientes em uso de medicações a longo prazo

 

FIGURA 2

Figura 2: Tabela para o acompanhamento de pacientes com sofrimento psíquico

 

                 A tabela foi desenvolvida após a discussão coletiva da equipe, a respeito de quais dados seriam mais relevantes para se ter o acompanhamento dos pacientes com problemas de saúde mental, e das medicações em uso. Dessa forma ao longo do cadastro dos pacientes e do seus acompanhamentos, podemos ter um controle maior desses indivíduos, e saber a quanto tempo vem em uso daquela medicação, se necessita parar, se necessita de outras terapias de apoio. Porém sabemos que muitas dificuldades estão envolvidas, e no caso da minha equipe a principal delas é que muitos pacientes vão e vem com novas receitas, novos medicamentos de consultas feitas em outros lugares, outras unidades, e com outros médicos, ficando as vezes difícil de ter um controle de quais medicações e tratamentos esses pacientes estão fazendo uso.

                Pacientes com sofrimento psíquico e outros transtornos psiquiátricos tem a USF como porta de entrada para o seu atendimento, e ali devem encontrar apoio e acompanhamento para a resolução dos seus problemas. Porém muitas vezes apenas o médico situado na Estratégia de Saúde da Família não é capaz de oferecer o suporte necessário e completo que esses pacientes precisam, e acaba que precisam recorrer a outros pontos assistenciais da rede de saúde para que esses indivíduos possam ter um cuidado integral.

               A rede de apoio psicossocial é extensa e complexa, envolvendo muito mais do que apenas a UBS, nela estão incluídos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferentes modalidades, o Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF), o Serviço Residencial Terapêutico (SRT), Unidades de Acolhimento, Enfermarias especializadas em Hospital Geral, Hospital Psiquiátrico, Hospital dia, Urgência e Emergência como os serviços prestados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Comunidades terapêuticas e Ambulatório multiprofissional de saúde mental (QUINDERÉ, 2014; MEDEIROS, 2016; BRASIL, 2017). 

               A depender de cada caso os pacientes acompanhados nas USFs por seus médicos podem ser orientados e encaminhados para os diversos serviços ofertados; isso leva a uma melhor assistência para esses usuários com resultados mais promissores no acompanhamento, cura e/ou reabilitação desses pacientes. A rede de apoio psicossocial na cidade de natal embora ainda deficiente, já consegue fornecer uma assistência considerável e bastante importante para a população residente na cidade.

             Os CAPS são pontos estratégicos da RAPS sendo serviços de saúde aberto a comunidade, e formado por uma equipe multiprofissional que trabalha sob um olhar interdisciplinar, e executa prioritariamente o atendimento de pessoas com sofrimento psíquico ou transtornos mentais. Além disso oferece suporte também para aqueles indivíduos que necessitam de um acompanhamento devido ao uso de álcool e outras drogas. Esses atendimentos incluem a comunidade adscrita a área territorial do CAPS, e oferece apoio não apenas nos momentos de crises, como também durante o processo de reabilitação psicossocial. O CAPS veio como um modelo substitutivo ao modelo asilar, proporcionando uma melhor assistência a essa parcela da população (BRASIL 2018; MEDEIROS, 2016).

            O CAPS é dividido em diversas modalidades, sendo elas: CAPS I e CAPS II que diferenciam-se basicamente pelo tamanho da população assistida; CAPS III que além de prestar apoio a um número populacional maior que os dois anteriores, também apresenta vagas disponíveis para acolhimento noturno e observação, funcionando portanto 24 horas; CAPS i que fornece apoio a crianças e adolescentes; e o CAPS ad que é especializado em transtornos pelo uso de álcool e outras drogas (BRASIL, 2018). 

            Entre todos os modelos de CAPS, na cidade do Natal apresentamos os seguintes (Figura 3):

      • 1 CAPS III: situado na zona leste que fornece assistência às zonas leste, oeste e sul da cidade.
      • 1 CAPS II: situado na zona oeste que fornece assistência às zonas oeste e sul da cidade
      • 1 CAPS II ad: situado na zona norte, que na realidade foi construído para ser porte III, e encontra-se em processo de expansão
      • 1 CAPS ad: situado na zona leste
      • 1 CAPS i: situado na zona oeste

FIGURA 3

Figura 3: Localização dos CAPS disponíveis na cidade do Natal. (1) CAPS i oeste; (2) CAPS II oeste; (3) CAPS ad leste; (4) CAPS III leste; (5) CAPS II ad norte.

 

               Além do CAPS, a RAPS da cidade do Natal conta com a disponibilidade de psiquiatras em policlínicas distribuídas pela cidade e conveniadas com o SUS. Com o atendimento das UPAs que também são portas de entrada para o usuário, e são um total de quatro espalhadas pela cidade, sendo duas na zona norte, uma na zona sul (cidade satélite) e uma na zona oeste. 

              Como assistência especializada na atenção terciária estão disponíveis  leitos psiquiátricos em três hospitais gerais, são eles: o Hospital Municipal, o Hospital Universitário Onofre Lopes e o Hospital Maria Alice (infanto-juvenil); e ainda o Hospital Psiquiátrico João Machado o qual também apresenta serviço de pronto atendimento. 

              Ainda se dispõe do Centro de Convivência onde os pacientes interagem entre si e praticam atividades lúdicas, de relaxamento e bem-estar. E uma unidade de acolhimento em construção, que será uma extensão do CAPS i; nela pacientes com importante vulnerabilidade familiar e/ou social, e que necessitam de proteção temporária  e acompanhamento terapêutico podem permanecer por até seis meses, de forma que funciona como uma casa onde esses pacientes são acolhidos e abrigados.

              Diante do apresentado, na USF Gramoré uma paciente de 26 anos, J.D.M., vem sendo acompanhada há cerca de sete meses devido a um quadro de surto psicótico. Em janeiro a Agente Comunitária de Saúde responsável pela área da paciente entrou em contato comigo para que eu pudesse visitar a mesma; há algumas dias a paciente havia começado a apresentar comportamento estranho, segundo os pais, com isolamento, anorexia, insônia, sentimento de culpa, e ansiedade. J.D.M. mora com os pais, e um irmão mais novo, é formada e vinha estudando normalmente em casa para realizar alguns concursos, e havia iniciado em um emprego novo. 

              No primeiro contato com a família os pais relataram que esse seria o segundo episódio que a filha se comportara assim, e que o último ocorreu há mais de seis anos. A família informou na ocasião que J.D.M. não era de muitos amigos, e raramente saía de casa, porém há poucos dias havia começado a se relacionar com um rapaz através de um grupo de estudos no whatsapp. E após isso começou a apresentar comportamento indevido, sem querer sair de casa, com medo de andar na rua, calada, sem se alimentar e sem dormir, e se culpando por algo que não entrava em detalhes. 

             Por 4 consultas domiciliares semanais a paciente não quis comunicação comigo, chegando a se trancar no banheiro em uma das visitas. Embora tenha tentado contato visual e através da fala com J.D.M. a situação era bem complicada, e a mesma parecia não melhorar com o passar dos dias. A família sempre solícita para ajudá-la mas o quadro continuava a piorar. 

            Como a área da USF Gramoré não é coberta por NASF ou CAPS, foi iniciado como proposta de tratamento para a paciente apoio com psicólogo e psiquiatra, e prescrito antipsicótico associado a um ansiolítico, e quando necessário um indutor do sono, porém a paciente se recusava a tomar a medicação.  Após consulta com psiquiatra que reforçou o uso da medicação que já havia sido prescrita, a paciente apresentou ainda uma piora do quadro com agressividade, necessitando ser encaminhada ao Hospital Municipal que na ocasião era porta aberta; foi feito um atendimento inicial porém a paciente acabou retornando à casa. 

           Após consultas subsequentes comigo, com o psiquiatra e com o psicólogo a paciente foi aos poucos voltando a se comunicar, contando como iniciou todo o quadro clínico, e discutindo os problemas que estava passando. Após melhora do quadro clínico, término da crise, foi explicado à paciente a importância da manutenção do tratamento e do acompanhamento regular. E a mesma vem bem desde então. 

Referências:

1. Quinderé, P.H. et al. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Physis Rev. de Saúde Coletiva, v. 24, n. 1, p. 253 – 271. Rio de Janeiro. 2014

2. BRASIL. Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras drogas. Ministério da Saúde. Brasília. 2017.

3. BRASIL. Centro de Atenção Psicossocial. Ministério da Saúde. Brasília. 2018.

4. Medeiros, P.F.P. et al. Rede de atenção psicossocial no Sistema Único de Saúde (SUS). Portal Aberta. 2016.

 

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