9 de outubro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

SAÚDE MENTAL: UM CUIDADO NEGLIGENCIADO

ESPECIALIZANDO: CAROLINE PIRES ALVES

ORIENTADOR: CLEYTON CEZAR SOUTO SILVA

 

             A atenção à saúde mental ainda é um tema negligenciado, quando comparado com outras afecções em saúde que tem sua fisiopatologia bem elucidada, e parte disso se deve à complexidade dessa área. Na formação médica, por exemplo, ainda predomina a visão de que o médico deve focar apenas no raciocínio clínico fisiopatológico baseado em evidências científicas, dessa forma, a medicina, de forma geral, tem dificuldade em lidar com o sofrimento de pessoas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

            Anteriormente, no Brasil, o cuidado em saúde mental era baseado na política manicomial e funcionava por meio de internação hospitalar por tempo indefinido dos indivíduos com desordens psíquicas. Entretanto, a partir de 1980, houve uma mobilização social para mudar esse modelo, o que configurou a Reforma Psiquiátrica, que visava reinserir o indivíduo na sociedade, garantindo o exercício de sua cidadania e um modelo de atenção mais humanizado, longitudinal e que não fosse baseado apenas em sintomas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

           A atenção básica tem como princípio ser uma importante porta de entrada do SUS, portanto, assume-se que esse conceito se estenda também às demandas em saúde mental. A ESF, por sua grande abrangência, acolhe com frequência pacientes em sofrimento psíquico, mesmo aqueles sem diagnóstico específico (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

           A atenção básica como porta de entrada para a saúde mental tem como vantagem a proximidade entre o profissional de saúde que a Estratégia de Saúde da Família possibilita que é de grande importância em se tratando do cuidado ao indivíduo em sofrimento psíquico, no qual seus fatores biopsicossociais são muitas vezes predominantes na gênese de sua queixa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013).

           Um exemplo de atendimento realizado pela equipe, que chamou minha atenção e que ilustra os conceitos supracitados, é o caso de uma mulher de 54 anos, usuária de álcool e dependente de crack, que foi identificada em uma visita domiciliar que tinha como foco sua mãe, uma idosa de 70 anos com sequelas de hanseníase. Durante a visita a idosa mostrou-se preocupada, pois a filha havia saído no dia anterior para buscar material para seus curativos e até então não havia retornado e ela sabia que o motivo da demora era que a filha havia voltado a usar substância. A agente nos informou que essa situação já era conhecida por ela, que a paciente não escondia sua dependência, mas que estava em abstinência há quase um ano. Foi então marcada nova visita, na qual acionamos o NASF. A psicóloga do NASF, durante a visita, conversou com a paciente, investigou sua história, motivação para o uso e identificou que o provável gatilho para a recaída havia sido o falecimento do seu pai. Foi perguntado se a paciente tinha desejo de realizar tratamento para seu quadro, e diante de uma resposta positiva, foi realizado encaminhamento para o CAPS-AD. Além disso, foram solicitados exames de rastreio para IST’s, pois a paciente relatou a prostituição como fonte de renda para manter seu vício. Orientamos a paciente quanto aos riscos e os próximos passos do seu acompanhamento.

           Visando garantir melhor cuidado desse grupo de indivíduos, foi criada uma ficha a ser distribuída para cada agente comunitário, para que possam registrar os casos identificados na área e trazer para discussão com a equipe e definir melhor abordagem para cada um. O instrumento que será entregue aos agentes foi criado em forma de tabela, onde pode ser registrado o nome, data de nascimento, diagnóstico prévio (se existir), medicações em uso e data de início do atual tratamento. Os dados trazidos pelos agentes serão consolidados em uma tabela única, que será utilizada pela equipe para programar ações e cuidados individuais ou em grupo, além de garantir um melhor acompanhamento ao paciente.

           O trabalho de identificação e o posterior manejo dos pacientes em sofrimento psíquico são complexos, pois exige boa percepção por parte do profissional para perceber o problema e aceitação do paciente quando lhe é ofertada ajuda. Em áreas como da nossa equipe, em que há predomínio de uma população de baixa renda com baixo nível educacional essa abordagem se torna ainda mais difícil, pois o insight parece ser menor, o que prejudica a busca por atendimento. Além disso, o preconceito que permeia a questão psicológica, em uma sociedade onde problemas como depressão e ansiedade são negligenciados e que muitas vezes ditados irrelevantes, cria uma barreira entre os pacientes e os profissionais, partindo do princípio de que essas queixas por si só já são difíceis de serem expostas e necessitam de estabelecimento de confiança entre as partes.

            A rede de cuidados em saúde mental na cidade ainda é muito frágil e seu funcionamento está aquém do desejado. O CAPSad, por exemplo, que acolheria a paciente do caso acima, fica localizado no centro da cidade e é de fácil acesso, porém seu espaço é reduzido e sua forma de funcionamento não garante ideal seguimento dos pacientes, principalmente dos que precisam de um acompanhamento mais intensivo. As atividades consistem em consultas médicas e com psicólogo, rodas de conversa, atividades lúdicas, e internação durante o dia. Entretanto, por não ter funcionamento 24 horas, os pacientes voltam às suas realidades após as 18h, o que favorece o contato com substâncias ou situações de vulnerabilidade. O que se percebe é que muitos pacientes buscam o serviço não somente pelo desejo de abandonar a dependência, mas também pelo acolhimento recebido.

            O CAPS III funciona de forma semelhante, mas é voltado para o atendimento dos pacientes com os demais diagnósticos que não dependência ou abuso de substâncias. Suas atividades visam reintroduzir o indivíduo na sociedade, por meio de atividades que o tornem mais funcional e também através das consultas. Entretanto, possui as mesmas limitações da CAPSad.

            O apoio do NASF acontece principalmente através das visitas domiciliares nos dias que eles disponibilizam a equipe. Desde que nossa UBS entrou em reforma, as consultas ambulatoriais são realizadas em outra unidade de saúde que fica distante da nossa área, o que dificulta o acesso do usuário. Por esses motivos, os pacientes não conseguem ter um acompanhamento longitudinal com o NASF, o que reduz a eficiência do cuidado.

            Esperamos que no futuro tenhamos uma rede de atenção à saúde mental mais consolidada, com a atenção básica conseguindo fazer a captação e seguimento longitudinal dos pacientes, um sistema de referência e contra referência eficaz, educação social que diminua os estigmas sobre esse grupo de doenças e, assim, tenhamos um cuidado humanizado e integral do indivíduo.

 

REFERÊNCIAS:

 

  1. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, n.34. Brasília1: 2013.
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