27 de novembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

TÍTULO: PLANEJAMENTO REPRODUTIVO NA ATENÇÃO BÁSICA

ESPECIALIZANDO: SORAIA LEMOS EHLERS

ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO

 

Um dos pilares da Atenção Básica, e que deve ser alvo de especial atenção das equipes de Estratégia de Saúde da Família, é o “Planejamento Reprodutivo”, ou, como também é conhecido, “Planejamento Familiar”.

Segundo Hudler e Tannuri (2014), os direitos sexuais e reprodutivos ganharam relevância após a década de 60, propulsionados essencialmente pelo ativismo social de movimentos libertários e feministas.

Ainda segundo esses autores, a inserção dos direitos sexuais e reprodutivos foi abalizada por meio da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafos 7º e 8º. É dever do Estado franquear recursos (educacionais e de saúde) e promover a orientação geral sobre tais direitos, bem como proporcionar proteção individual aos membros da família, o que é regulamentado pela Lei n. 9.263/96, de planejamento reprodutivo, e pela Lei n. 11.340/ 2006, de proteção à mulher no ambiente doméstico e familiar.

Épocas houve em que a ideia de utilização dos métodos contraceptivos como meio de compelir as parcelas mais carentes a um controle demográfico esteve presente. Contudo, o que se busca na atualidade é oferecer condições mínimas para que o cidadão, seja homem ou mulher, possa optar, por si, tendo ciência dos efeitos de sua escolha sobre seu futuro familiar. Para tanto, compete ao Estado oferecer meios pelos quais o indivíduo possa desfrutar de sua sexualidade, de forma plena e saudável, e, simultaneamente, coibir eventual violência à sua intimidade ou integridade.  

Assim, cabe ao Estado possibilitar a todos os cidadãos o amplo acesso às informações e a todos os métodos contraceptivos lícitos (reversíveis e/ou definitivos) e conceptivos (tratamento para fertilidade, acompanhamento médico prévio à concepção), abstendo-se de qualquer interferência no processo decisório de homens e mulheres.

No que diz respeito à situação de nosso município em relação a esse tema, e, mais especificamente, nossas UBS (urbana e rural), pode-se dizer que alguns aspectos são positivos, entretanto outros ainda requerem melhorias.

O trabalho de aconselhamento e orientação com relação a concepção e contracepção é feito normalmente durante nossa rotina em ambulatório, pela médica e pela enfermeira. As prescrições de contraceptivos são feitas durante consulta médica.

Os contraceptivos oferecidos normalmente em nossa Unidade de Saúde são métodos reversíveis (hormonais e de barreira):

  • pílula combinada de baixa dosagem (etinilestradiol 0,03 mg + levonorgestrel 0,15 mg);
  • minipílula (noretisterona 0,35 mg);
  • injetável mensal (enantato de norestisterona 50 mg + valerato de estradiol 5 mg);
  • injetável trimestral (acetato de medroxiprogesterona 150 mg);
  • preservativos masculino e feminino (camisinha);

Outros métodos, como o diafragma e o DIU, não são oferecidos em nossa Unidade. Não dispomos de contracepção de emergência.

Com relação a métodos definitivos (contracepção cirúrgica: laqueadura/vasectomia), fazemos os devidos encaminhamentos aos serviços que os proporcionam.

Nos últimos meses, tem havido uma carência significativa na oferta de contraceptivos orais e injetáveis, que são os métodos mais utilizados na rotina das nossas usuárias, o que nos trouxe algumas situações desafiadoras. Ficamos durante alguns meses sem nenhum contraceptivo hormonal oral e sem o contraceptivo mensal injetável, o que acarretou uma mudança de condutas e um novo cenário na realidade da nossa área adstrita.

Diante de tal realidade, certas situações se apresentaram. Inicialmente, algumas pacientes passaram a comprar seus anticoncepcionais de uso contínuo, ou nos procuraram para uma mudança de prescrição. Outros usuários (e usuárias) passaram a buscar métodos de barreira.

Todavia, a taxa de natalidade, principalmente entre adolescentes, aumentou significativamente.

Diante da carência dos referidos contraceptivos, algumas usuárias “relaxaram” e continuaram a manter suas relações sexuais sem uma preocupação com a possibilidade de uma possível gravidez (sem mencionar a possibilidade de contrair DST). Tal comportamento se verificou principalmente entre as usuárias mais jovens e aquelas que nunca haviam sido mães, o que é compreensível. As mães sabem da carga de responsabilidades que envolve a maternidade, e se acautelam bastante antes de se exporem à possibilidade de uma nova gestação. O que nem sempre se observa em usuárias mais jovens, em especial, as adolescentes, por ainda estarem em uma fase da vida de profundas transformações e aprendizado, em que ainda não pesam as responsabilidades da vida adulta.

Em nosso país, atualmente, a gravidez precoce tem se transformado num grande problema de saúde pública. Com poucas informações e uma vida sexual ativa cada vez mais precoce, muitas adolescentes engravidam em uma época da vida em que se encontram despreparadas para assumir as responsabilidades da maternidade. Ao se tornarem mães, estas adolescentes acabam deixando de lado uma importante fase de desenvolvimento (algumas até mesmo abandonam os estudos). Mais preocupante são aquelas que buscam o aborto, tirando a vida de um ser e colocando em risco suas próprias vidas. 

Diante dessa nova perspectiva, nós, a equipe de ESF II do município de Rosário do Catete-SE, decidimos criar uma estratégia para reverter essa situação.

Não há o que reverter em relação às gestações já em curso, obviamente, restando-nos apenas oferecer a melhor assistência pré-natal possível, com o devido encaminhamento à Assistência Social, para cadastro e usufruto dos benefícios pecuniários relacionados à gestação, ofertados pelo município. Assistência psicológica também é oferecida, quando necessária, como nos casos em que a gestação acarreta problemas nas relações familiares, ou naqueles em que há intervenção do Conselho Tutelar, por exemplo, dentre outras situações.

Decidimos utilizar a informação, esse poderoso meio de transformação e mudança, como nossa ferramenta principal.

Ora, passamos a não dispor de alguns métodos, porém a oferta dos métodos de barreira (camisinhas masculina e feminina) se manteve inalterada. Tais contraceptivos são oferecidos a todos, sem quaisquer restrições, inclusive de quantidade, ficando disponíveis sobre a bancada da recepção, para que qualquer usuário possa ter acesso a eles, sem necessidade de intermediários ou de exposição individual.

Além do mais, trata-se de uma excelente escolha no planejamento familiar, pois, além de evitarem uma gravidez indesejada, os métodos de barreira impedem a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, como herpes genital, gonorreia, sífilis e a AIDS, e seu uso deve ser largamente estimulado. Some-se a isso a simplicidade de uso e uma eficácia de 98%, se usados corretamente. São grandes aliados em caso de relações sexuais inesperadas.

A desvantagem desse método, à parte os casos de alergia ao látex, que são raros, é o desconhecimento da forma correta de uso. Quando mal utilizada, a camisinha, principalmente a masculina, pode romper. O desconhecimento do fato de que ela não pode ser reaproveitada e de que deve ser descartada imediatamente após o fim de cada coito também pode comprometer sua eficácia.

Em suma, considerando-se a camisinha masculina e a camisinha feminina como excelentes métodos contraceptivos e de prevenção às DST; considerando-se a carência de contraceptivos hormonais de largo uso no município em questão, em contrapartida à larga oferta dos métodos de barreira acima citados; considerando-se a dificuldade financeira da população adstrita; e, por fim, considerando-se a faixa etária associada à incidência nos novos casos de gestações não programadas (pré-adolescência/ adolescência/adultas jovens), consideramos como estratégia para uma intervenção elaborar atividades educativas com a temática do Planejamento Reprodutivo, com explicações sobre os métodos contraceptivos disponíveis no SUS, de uma forma geral, enfatizando o uso dos métodos de barreira supracitados (camisinhas masculina e feminina), como forma de expandir o conhecimento acerca do assunto, disponibilizando o acesso e incentivando seu uso.

Médica e enfermeira da equipe comprometemo-nos a palestrar, ficando acordado que tais atividades ocorreriam às quartas-feiras e/ou às sextas-feiras, no início da manhã, na área de recepção da UBS.

Nossa UBS inicia suas atividades às 7h, quando é organizada a ordem de atendimento e são realizadas as pré-consultas, razão pela qual os atendimentos médicos e de enfermagem nunca se iniciam antes de 07:30h.

Consideramos esses 30 minutos iniciais do dia uma excelente oportunidade para um colóquio informal sobre o tema, pois elaborarmos eventos para que as pessoas compareçam à Unidade tão somente para assistirem a palestras sobre qualquer tema se mostrou ineficiente em programações anteriores. Os pacientes já estarão presentes à UBS, e cremos que o assunto seja de interesse geral.

Por outro lado, levando em consideração os casos de gestações em adolescentes e pré-adolescentes, entendemos ser importante levar esse tema também ao âmbito das escolas, para que nossos jovens pudessem ter a oportunidade de aprender e sanar dúvidas pertinentes ao tema, bem como para nos colocarmos à disposição desse público também no espaço da UBS.

Colocamos nosso plano em prática desde julho de 2018. A experiência tem sido bastante positiva.

Muitos dos nossos pacientes, quando chegam ao momento da consulta do dia, independente da razão para a busca do serviço, acabam perguntando sobre o que ouviram durante a palestra matinal, e isso tem sido extremamente satisfatório. Mostra que o nosso esforço tem gerado uma boa repercussão!

Por outro lado, desde que nos propusemos a tal, já palestramos em uma escola na área urbana e na escola que fica no Povoado de Siririzinho, e os alunos se mostraram respeitosos e bastante receptivos. Houve adolescentes que procuraram a enfermeira, após tais palestras, para terem acesso aos contraceptivos, principalmente a camisinha masculina (a camisinha feminina, infelizmente, ainda não se popularizou em nossa área, como gostaríamos).

Citamos, ainda, que o espaço de colóquio matinal ajudou a organizar mais o serviço, de tal forma que as pessoas não ficam mais tão agitadas e barulhentas como permaneciam antes, no início do turno.

Seguimos confiantes de que bons frutos, a médio e longo prazo, poderão ser colhidos dessa nova experiência!

 

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva. Cadernos de Atenção Básica nº 26. Editora do Ministério da Saúde: Brasília, 2010.

 

HUDLER, D. J.; TANNURI, C. A. Aspectos do planejamento reprodutivo na atualidade: a atuação estatal e a esterilização voluntária. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano v.19; n.3863, 28 de janeiro de 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26527>.

1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (No Ratings Yet)
Loading...
Ponto(s)