EDUCAÇÃO EM SAÚDE COM UM GRUPO DE GESTANTES: DISCUTINDO PLANEJAMENTO REPRODUTIVO, PRÉ-NATAL E PUERPÉRIO
ESPECIALIZANDO: FARLEY SOARES CANTIDIO
ORIENTADOR: JÂNIO RODRIGUES REGO
Durante a juventude, a gravidez pode trazer uma diversidade de experiências, a despeito da etapa de vida em que ocorre, porque se coaduna com as relações familiares, as decisões do casal, a situação socioeconômica, aspectos religiosos e uma série de fatores que interferem na resposta e aceitação de uma vida que se aproxima (BRASIL, 2013).
A gestação, especialmente quando ocorre na adolescência, desperta uma variedade de consequências para o jovem, tais como a prorrogação ou comprometimento dos projetos educacionais, menor chance de qualificação profissional e dependência financeira absoluta da família. Além disso, conduz à impossibilidade de completar a função do indivíduo em transição para a fase adulta, diminuindo a chance de qualificação profissional, com reflexos evidentes na inserção futura no mercado de trabalho (TABORDA et al., 2014).
A partir do exposto, ressalta-se a importância que representam a escola e os serviços de saúde, como elementos de transposição das barreiras e orientadores dos jovens. Eles constituem a possibilidade de um canal de comunicação, que constrói uma relação de confiança, para que a sexualidade do adolescente seja percebida; as dúvidas sejam eliminadas e que a prevenção tanto da gestação quanto das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) possam ser apoiadas pelas famílias (TABORDA et al., 2014).
Considerando a atenção primária o elemento e o elo entre os usuários com a assistência, as pesquisas têm cada vez mais procurado discutir o papel que as redes possuem na organização das estratégias de reprodução populacional. Essas investigações mais atuais seguem enfatizando a importância de que os profissionais de saúde trabalhem como o público juvenil, esclarecendo-o sobre os direitos e opções terapêuticas disponíveis.
Em estudo realizado com departamentos regionais de saúde paulistas, Nasser et al. (2017), verificaram que a implementação da saúde sexual e reprodutiva nos serviços de atenção primária à saúde era incipiente. Para os autores, a fim de solucionar essa assistência inadequada e insuficiente, eliminando os obstáculos enfrentados, seria necessário a revisão das finalidades do trabalho, a disseminação de tecnologias e o investimento em educação permanente.
Ainda com relação ao planejamento reprodutivo, Pierre e Clapis (2010) afirmam que é importante a capacitação para os profissionais de saúde, atividades educativas com grupo de usuários, de forma rotineira, sendo que as temáticas não devem enfatizar apenas os métodos contraceptivos considerados, mas também discutir e apresentar a variedade existente, para que o indivíduo, após discussão com o profissional, saiba escolher a melhor contracepção de acordo com o perfil e a eficácia a que se destina.
Dessa forma, considerando a realidade caracterizada neste cenário de microintervenção e o levantamento realizado pelos profissionais da equipe Dalmo Silva Feitosa, relacionado à saúde sexual e reprodutiva do bairro, os seguintes problemas foram identificados:
– Elevado número de gestantes com gravidez não-planejada;
– Início tardio do acompanhamento de pré-natal;
– Gestação na fase jovem da vida, especialmente na adolescência;
– Falha do método contraceptivo durante o período pré-concepcional e puerpério;
– Ausência de grupo de planejamento reprodutivo, para discutir aspectos de uma gestação programada e, em contrapartida, a possibilidade de evita-la por meio de métodos oferecidos pela Unidade Básica de Saúde;
– Falta de discussão em grupo sobre diversidade sexual, relações de gêneros, prevenção de HIV/AIDS e outras ISTs, especialmente com os adolescentes.
A partir das situações identificadas, a equipe de saúde decidiu pela organização do grupo de gestantes, para que as intervenções fossem colocadas em prática. Para a realização, as mulheres foram convidadas, durante consulta de pré-natal, a participar do encontro em data previamente agendada.
Durante o evento, foram discutidos aspectos relacionados ao aleitamento materno exclusivo e aos métodos de contracepção no puerpério. Com relação à amamentação, mediante recurso visual, foram projetadas imagens sobre os benefícios do leite materno para a criança, orientações sobre a pega correta, enfatizando a importância do vínculo entre a mãe e o lactente, desde o momento pós-parto até o período mínimo de 6 meses.
Na oportunidade, foram esclarecidas dúvidas sobre os principais testes de triagem neonatal (pezinho, orelhinha e olhinho), quando devem ser realizados e a sua importância. Houve, portanto, um momento em que as gestantes, presentes no encontro, puderam tirar dúvidas, interagir entre si e questionar sobre as dúvidas ligadas ao pré-natal e puerpério.
Quanto a contracepção, foram apresentados os métodos disponíveis na Unidade Básica de Saúde, suas vantagens e as desvantagens; os que são contraindicados durante o período de lactação; os critérios de elegibilidade para laqueadura tubária e a vasectomia, segundo os protocolos do Ministério da Saúde.
Assim, procurou-se a garantia dos princípios propostos na legislação brasileira, que afirma: “para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção, conforme a Lei n. 9.263 (BRASIL, 1996). Além disso, foram pontuados os critérios e enfatizado que a prescrição só poderia ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com a informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia.
Os resultados, após intervenção local na UBS Dalmo Silva Feitosa, apontam a necessidade do trabalho com o público jovem, para reduzir as problemáticas elencadas, a partir do diagnóstico situacional. Conforme Cerqueira-Santos et al. (2010), é preciso levar em consideração o adolescente inserido no contexto que forma seu ambiente ecológico e identificar fatores de risco, para que a rede protetiva seja fortalecida e as ações tenham repercussão no desenvolvimento da sexualidade. Para os autores, os programas de controle de fecundidade e prevenção de ISTs devem ser ofertados e promover a acessibilidade nos contextos em que ocorrem.
Outro desafio a ser vencido pela atenção básica refere-se ao número significativo de gestantes que procuram atendimento pré-natal tardiamente. No estudo de Rosa, Silveira e Costa (2014), que investigou os fatores associados à não-realização de pré-natal, os autores encontraram que as variáveis ligadas à ausência das grávidas nos serviços de saúde eram a menor escolaridade, especialmente menos de quatro anos de estudo; o fato de ser solteiras e multíparas. Além disso, com relação à distância entre a residência da mulher e o serviço de Atenção Primária a Saúde (APS) mais próximo, a maior ocorrência de não realização do pré-natal foi observada na categoria de 500 a 1.000 metros.
Desse modo, todos esses resultados conferem com a realidade local do bairro Cauamé, uma vez que grande parte do público faltante corresponde às gestantes que residem no interior do município de Boa Vista-RR e, na sua maioria, jovens/adolescentes, com problemas conjugais e familiares e que já apresentam paridade elevada, sem condições socioeconômicas adequadas.
Rosa, Silveira e Costa (2014), propõem uma reorganização das ações, que priorizem as gestantes com as características de risco identificadas, como ponto inicial de inclusão das mulheres na APS, proporcionando uma melhor cobertura. Para isso, recomendam que haja uma integração de programas locais que atuem com o grupo materno-infantil, como o “Bolsa-Família”. Na realidade do Estado de Roraima, destaca-se o “Família Que Acolhe (FQA)”, que corresponde à uma política pública integral para a primeira infância, ao cuidar da criança desde a gestação até os seis anos de idade, garantindo o acesso à saúde, educação e desenvolvimento social de maneira integrada. O FQA prioriza o atendimento de filhos de mães de baixa renda, adolescentes, gestantes participantes do Bolsa Família, reeducandas gestantes do sistema penitenciário, famílias que recebem o Bolsa Família, cadastradas no CadÚnico e em vulnerabilidade social. Portanto, além dos cuidados profissionais, orientações e serviços oferecidos, garante o acesso à assistência à saúde das usuárias, mediante o transporte, enxoval para as mães que não disponibilizam de recursos financeiros para adquiri-lo e a compreensão de que a mulher vislumbra uma nova perspectiva do cuidar.
Dessa forma, os resultados apontam a necessidade de que as Unidades Básicas de Saúde estabeleçam parcerias com os mais variados setores (educação nas escolas, assistência social, ampla divulgação nos meios de comunicação, universidades, lideranças da comunidade), para ampliação da cobertura do atendimento, evitando, assim, que muitas usuárias deixem de participar do planejamento reprodutivo, pré-natal e puerpério, sem o devido apoio dos setores de saúde. Essas iniciativas contribuem para a manutenção do princípio doutrinário do SUS da equidade, quando minimizam as disparidades entre os usuários, que encontram dificuldade de acesso e proporcionam atendimento aos que mais necessitam, mantendo a justiça, a imparcialidade a isenção e a neutralidade do cuidado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 9.263, de 12 de jan. de 1996. Planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências, Brasília, DF, jan. 1996.
BRASIL. Ministério da Saúde. O SUS e a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e jovens no Brasil. Ministério da Saúde. Fundo de População das Nações Unidas. 1 ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2013, 114 p.
CERQUEIRA-SANTOS, E. et al. Gravidez na adolescência: análise contextual de risco e proteção. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 1, p. 73-85, jan./mar., 2010.
NASSER, M. A. et al. Avaliação na atenção primária paulista: ações incipientes em saúde sexual e reprodutiva. Revista de Saúde Pública, v. 51, n. 77, p. 1-12, 2017.
PIERRE, L. A. S.; CLAPIS, M. J. Planejamento familiar em Unidade de Saúde da Família. Rev.Latino-Am. Enfermagem, v. 18, n. 6, p. 1-8, 2010.
ROSA, C. Q. R.; SILVEIRA, D. S.; COSTA, J. S. D. Fatores associados à não realização de pré-natal em município de grande porte. Rev. Saúde Pública, Pelotas, v. 48, n. 6, p. 977-984, 2014.
TABORDA, J. A. et al. Consequências da gravidez na adolescência para as meninas considerando-se as diferenças socioeconômicas entre elas. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 16-24, 2014.
Ponto(s)