20 de julho de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

         O Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza, em sua política de saúde, um conjunto de ações que possibilitem a execução dos princípios da universalidade do acesso; a integralidade e a equidade da atenção à saúde; descentralização da gestão; regionalização e hierarquização; e participação popular por intermédio do controle social. O acesso da comunidade e a forma de recepcioná-la constituem-se como pontos importantes a serem considerados para viabilizar a execução desses princípios e, portanto, devem ser revistos e aperfeiçoados no contexto da prática e da organização dos serviços de saúde. A desqualificação do cuidado ao usuário reflete a falta de comunicação entre profissionais e população, o que impossibilita que as reais necessidades deste último segmento sejam reveladas, dificultando a diversificação das práticas de atenção à saúde e fazendo com que os serviços se organizem a partir de uma demanda limitada de procedimentos (LOPES, 2014; CAMPOS, 2006).

          A Política Nacional de Humanização (PNH), idealizada pelo Ministério da Saúde (MS), surgiu como uma proposta para requalificar essa atenção, de modo a manter uma associação entre as formas de produzir saúde e as formas de administrar os processos de trabalho, entre atenção e gestão, entre clínica e política, entre produção de saúde e produção de subjetividade. Esta política objetiva possibilitar inovações nas ações gerenciais e nas ações de produção de saúde, de modo a propor novas formas de organização dos serviços de saúde. (BRASIL, 2004).

          As abordagens teóricas e organizativas da PNH demonstram que essa política surgiu para impulsionar a efetivação de um SUS inclusivo, democrático, resolutivo e acolhedor. Apresentam conceitos amplificados sobre a humanização, de forma a agregar valores diversos: ‘organizativo’ porque se refere às formas de organizar os serviços de saúde; ‘gerencial’ por abordar o modo de gestão e a coordenação do trabalho desenvolvido; e ‘relacional’ por referir-se ao relacionamento consolidado entre os indivíduos que participam do processo de trabalho em saúde, que são os gestores, os trabalhadores e os usuários (MENDES, 2010; VILAR, 2014).

          Para pôr em prática esses conceitos, a PNH fundamenta-se em algumas diretrizes específicas para a Atenção Básica, que enfatiza: a elaboração de projetos individuais; o incentivo às práticas de promoção da saúde; o acolhimento e a inclusão do usuário no sistema, na perspectiva da garantia do acesso e da resolubilidade, além do trabalho em equipe, para gerar uma maior corresponsabilidade na atenção (BRASIL, 2004).

          Em documento oficial desta política, o acolhimento é definido por:

 

Processo constitutivo das práticas de produção e promoção de saúde, que implica responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua chegada até sua saída, ouvindo sua queixa, considerando suas preocupações e angústias, fazendo uso de uma escuta qualificada, que possibilite analisar a demanda e, colocando os limites necessários, garantir atenção integral, resolutiva e responsável por meio do acionamento/articulação das redes internas dos serviços (visando à horizontalidade do cuidado) e redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência quando necessário. (BRASIL, 2004, p.14).

 

           Acolher é, portanto, nesse sentido, posicionar-se junto ao problema do outro, o qual sempre é legítimo, independentemente de sua natureza e se apresenta como demanda para os trabalhadores da saúde. Demanda esta que deve ser atendida de maneira qualificada e baseada na escuta daquilo que o usuário traz, pois, essa atitude valoriza a singularidade dos sujeitos que procuram os serviços, o que confirma que o acolhimento deve ser, para o serviço de saúde, uma “diretriz norteadora de sua forma de funcionamento” (PASCHE, 2009).

           O acolhimento possui três esferas constitutivas: postura, atitude e tecnologia do cuidado; mecanismo de ampliação e facilitação do acesso; e dispositivo de reorganização do processo de trabalho em equipe (BRASIL, 2011; BRASIL, 2010). Nesta percepção, o acolhimento adquire o discurso de inclusão social em defesa do SUS, subsidiando a geração de reflexões e mudanças na organização dos serviços e na postura dos profissionais, na ideia do acesso universal, na retomada da equipe multiprofissional e na qualificação do vínculo entre usuários e profissionais de saúde (MITRE; ANDRADE; COTTA, 2012).

           Dessa forma, pode-se afirmar que o acolhimento é uma ação que deve existir em todas as relações de cuidado, no vínculo entre trabalhadores de saúde e usuários, na prática de receber e escutar as pessoas, e deve ser estabelecido como uma ferramenta que: possibilite a humanização do cuidado; amplie o acesso da população aos serviços de saúde; assegure a resolução dos problemas; coordene os serviços; e vincule a efetivação de relações entre profissionais e usuários. (BRASIL, 2011)

           Na Unidade de Saúde Santo Amaro Das Brotas o acolhimento é feito geralmente pela enfermeira e técnica de enfermagem onde escutam seus problemas de saúde, respondendo de forma resolutiva às necessidades apresentadas, principalmente para aqueles usuários que não precisam atendimento médico de urgência ou emergência sendo de muita importância para a resolutividade do posto de saúde.

          Apesar de realizar diariamente o acolhimento dos usuários, nossa equipe de saúde achou que o acolhimento deveria ser estudado, para verificar a sua eficácia e assim oferecer subsídios à sua consolidação na Unidades de Saúde, procurando, ao mesmo tempo, viabilizar seu aperfeiçoamento, enquanto tecnologia de organização de serviços de saúde.

          Primeiramente realizou-se uma exposição dialogada sobre o tema de acolhimento, discutindo conceitos, objetivos, seus elementos e a importância do acolhimento com classificação de risco.

         Para um bom envolvimento em equipe, foi necessária a definição das tarefas, como: quem serão os responsáveis por receber o usuário na unidade ou pela avaliação do risco e vulnerabilidade desse usuário; a conduta inicial do caso; quando encaminhar/agendar uma consulta médica; a organização da agenda dos profissionais e quais serviços poderão ser oferecidos além da consulta médica para o atendimento da demanda espontânea. Faz-se necessário a ampliação da capacidade de escuta humanizada e da clínica da equipe de saúde, para a realização de uma boa anamnese, reconhecendo riscos e vulnerabilidades e realizar ou acionar intervenções de forma oportuna em cada caso (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a).

           Na reunião foi ratificada a necessidade de que cada usuário fosse acolhido pelos profissionais de sua equipe, com o objetivo de obter uma potencialização do vínculo e responsabilização entre a equipe e população adscrita. Além disso, foi acordado que a enfermeira da equipe realizará a primeira escuta, atendendo à demanda espontânea da população residente na nossa área de abrangência e também a seus usuários agendados; enquanto o médico faz a retaguarda para os casos agudos e classificação de risco, além de atender os usuários agendados.

          Também foi acordado, que os agendamentos das consultas programadas sejam feitos pelos agentes comunitários de saúde, para evitar que os usuários tenham que formar filas na madrugada para agendar suas consultas, garantindo um melhor acesso ao serviço; sempre deixando um espaço na agenda de trabalho para o acolhimento das demandas espontâneas.

          O acolhimento odontológico deverá ser realizado pela equipe de odontologia em seus consultórios específicos e a classificação de risco odontológica ficará sob a responsabilidade da cirurgiã dentista.

          Os prontuários serão separados pela recepcionista e o preenchimento da ficha de acompanhamento familiar, será de responsabilidade do profissional que fará o acolhimento. O horário de funcionamento será: Manhã: de 08:00h às 12:00h. Tarde: 13:00h às 17:00h e serão utilizados os consultórios dos profissionais médicos, enfermeiros e cirurgiãs dentistas.

          Como representação de um padrão de fluxos dos usuários na Unidade Básica de Saúde, foi tomada a proposta de organização do atendimento à demanda espontânea que é apresentada no fluxograma existente nos Cadernos de Atenção Básica sobre o Acolhimento (Anexo 1). Vale ressaltar que esse fluxograma é uma forma de nortear o acolhimento, não de moldá-lo, sendo importantes os ajustes necessários para a realidade de cada equipe, adequando aos serviços e rede de saúdes disponíveis em cada região (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a; 2013b).

            De acordo com o fluxograma proposto pelo Ministério da Saúde, em situações não agudas as condutas possíveis são: orientações específicas ou sobre as ofertas da unidade, adiamento/agendamento de ações previstas ou ainda a programação de intervenções. Já em situações agudas são previstas como possibilidades de condutas: o atendimento imediato em casos de alto risco, obrigando a presença do médico; o atendimento prioritário, em risco moderado, com intervenção breve da equipe, podendo haver medida de conforto inicialmente ofertada pela enfermagem, até a nova avaliação do profissional mais indicado, sendo priorizado na ordem dos atendimentos médicos; o atendimento no dia para casos de baixo risco ou ausência de risco com vulnerabilidade significativa que são situações que devem ser manejadas no mesmo dia pelo médico e/ou enfermeiro e/ou odontólogo dependendo da situação, aproveitando para captar usuários sem adesão às linhas de cuidado existentes na unidade.

          Nesta perspectiva, notamos que todos os profissionais da equipe se sentem responsáveis em minimizar as dificuldades de acesso e oferecer um atendimento digno e com qualidade.  Podendo então afirmar que os profissionais, sem exceção, se encontram preparados para receber o usuário, a qualquer momento e em qualquer espaço, dentro da Unidade de Saúde ou fora dela, seja na rua a caminho das visitas domiciliares ou nas casas. Ao receber este usuário, a regra geral é saber ouvi-lo e compreender a sua necessidade no momento. Sua necessidade pode ser a mais simples ou a mais complexa, mais é imprescindível que o profissional, possa direcioná-lo, de forma a apontar o caminho mais curto e com maior chance de resolutividade.

          Neste âmbito, onde todos são capazes de resolver os problemas de menor complexidade e encaminhar de forma mais adequada, é que ocorre a diminuição da demanda pelos atendimentos médicos e de enfermagem, os quais podem ser voltados para problemas de sua real competência, possibilitando assim maior qualidade na assistência e efetividades das ações. Assim um usuário que procura a enfermeira para saber sobre a previsão de data de uma consulta especializada, pode ser atendido diretamente pela recepcionista, que se encontra capaz de prestar a informação correta e realizar orientações pertinentes.

         Um usuário que encontra com um agente comunitário de saúde na rua e pede que agende uma consulta para conseguir uma dieta, será orientado a se consultar com a nutricionista. Um usuário diabético que deseja uma consulta médica de rotina, será orientado a passar primeiramente pela enfermeira, a qual solicitará exames laboratoriais, de modo que na consulta com a médica, o usuário já possa estar com os resultados em mãos. Todas estas situações são exemplos de otimização do atendimento, na medida em que proporciona resolutividades aos problemas ou necessidades apresentadas pelos usuários sem que tenham que enfrentar filas, e viabiliza o caminho mais adequado para cada situação, considerando, desta forma, o princípio da integralidade.

         Com a implantação e utilização do protocolo de acolhimento e do fluxograma de atendimento à demanda espontânea, espera-se que haja maior organização e qualidade no atendimento aos usuários pertencentes ao PSF Santo Amaro Das Brotas.

         Além disso, espera-se obter muitos benefícios, tais como: o fim das filas de madrugada; a diminuição significativa ou até mesmo eliminação das filas de espera; a construção de um vínculo estreito entre equipe e comunidade; o estabelecimento de uma relação de confiança e respeito entre profissional e usuário; uma maior credibilidade no serviço de saúde; maior agilidade na resolução dos problemas; otimização das atividades e ações de saúde; e o mais importante: fazer com que o usuário reconheça o PSF como a porta de entrada do Sistema Único de Saúde.

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