RELATO DE EXPERIÊNCIA
TÍTULO: DESAFIOS NA ESTRUTURAÇÃO DO ACOLHIMENTO À DEMANDA NA ATENÇÃO BÁSICA
ESPECIALIZANDO: SORAIA LEMOS EHLERS
ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO
Uma das grandes dificuldades, no que se refere ao bom funcionamento das Unidades Básicas de Saúde, é o acesso dos usuários aos serviços da atenção básica e especializada. Quase três décadas após a implantação e a implementação do SUS, ainda se observam diversos problemas de acesso dos brasileiros a esses serviços.
Segundo Donabedian (1973; 2003), o conceito de acessibilidade refere-se à facilidade com que as pessoas obtêm assistência à saúde. Para o autor, a acessibilidade depende de fatores sócio-organizacionais e geográficos que se relacionam.
De acordo com a Portaria nº 4.279, para assegurar a resolutividade na rede de atenção, um dos fundamentos que precisa ser considerado é o acesso, que pode ser analisado através (I) da disponibilidade, que diz respeito à obtenção da atenção necessária ao usuário e sua família; (II) da comodidade, relacionada ao tempo de espera para o atendimento, à conveniência de horários, à forma de agendamento, à facilidade de contato com os profissionais, ao conforto dos ambientes para atendimento, entre outros; e (III) da aceitabilidade, relacionada à satisfação dos usuários quanto à localização e à estrutura física do serviço, ao tipo de atendimento prestado, e relacionada, também, à aceitação dos usuários quanto aos profissionais responsáveis pelo atendimento (BRASIL, 2010).
Em nossa Unidade Básica de Saúde, no município de Rosário do Catete/SE, desde o início das minhas atividades profissionais, percebi que a maneira de garantir o acesso dos usuários aos serviços oferecidos trazia certos percalços para os mesmos e para a equipe.
Tal acesso era feito por demanda livre, com atendimento agendado para o próprio dia da busca pelo serviço. Quem não conseguisse uma vaga naquele dia, teria que se aventurar em outra ocasião, seguindo o mesmo esquema.
Gestantes, à exceção, sempre tiveram suas consultas mensais garantidas através do agendamento prévio realizado pela própria enfermeira, bem como os pacientes acamados, que sempre tiveram seus atendimentos domiciliares agendados semanalmente.
O acesso por demanda livre, como vinha acontecendo, constantemente gerava problemas. A peregrinação de usuários para o portão da UBS durante a madrugada, para garantir uma oportunidade de atendimento, gerava problemas de segurança para nossa população, por se tratar de região de contumaz violência.
Por outro lado, alguns usuários reservavam mais de uma vaga para o mesmo dia, o que escasseava a oferta para os demais. Muitas vezes, essas “vagas” a mais eram comercializadas.
E havia, ainda, alguns usuários, cujo hábito e facilidade de conseguir atendimento na UBS, comumente mais de uma vez por semana, requerendo consultas repetida e desnecessariamente, dificultava, ainda mais, a acessibilidade aos serviços.
O acolhimento, em nossa UBS, consistia, basicamente, em “encaixar” situações que necessitavam de atendimento imediato, e que não haviam sido bem sucedidas na busca por vagas.
Outra peculiaridade de nosso município é o fato de a Farmácia Básica (única, para toda a cidade) só ter autorização de fornecer as medicações de uso contínuo (anti-hipertensivos, hipoglicemiantes orais, psicotrópicos, etc) em quantidade suficiente para o período de um mês de consumo, requerendo, sempre, prescrições atualizadas para novas dispensações, o que obriga os usuários a buscarem a UBS para manutenção de tratamento todos os meses, no intuito de renovarem suas receitas e darem continuidade a seus tratamentos.
Além disso, pacientes em uso de fraldas geriátricas, para poderem receber auxílio da gestão municipal para aquisição das mesmas, necessitam levar, à Assistência Social, mensalmente, relatório que comprove a necessidade de seu uso, emitido pela médica ou pela enfermeira, o que obriga seus familiares/acompanhantes ao comparecerimento mensal à UBS para tanto, o que aumenta, ainda mais, a demanda.
Como resultado, verificava-se sobrecarga da equipe, dificultando o planejamento de saúde adequado da nossa comunidade e trazendo desgastes para os profissionais, além de insatisfação de usuários, pela dificuldade de acesso ao serviço.
Há muito percebemos, em nossa equipe, a necessidade de uma estratégia para melhorar o acesso dos usuários e para um atendimento mais justo.
Então, em uma de nossas reuniões de equipe, a enfermeira, alguns agentes de saúde, a recepcionista, e eu, a médica, decidimos criar um modus operandi que tornasse mais resolutiva nossa atuação nesse sentido.
Assim, fomos criando algumas regras para o acolhimento, a saber:
médica,em qualquer momento (durante todo o horário de funcionamento da UBS).
Pudemos notar, com tais medidas, uma melhor organização e uma maior facilidade do acesso. Tem havido uma melhora na comunicação com os usuários, uma satisfação maior (pois todos têm uma definição de conduta), maior fluidez.
Alguns poucos usuários, acostumados ao modelo antigo, reclamaram. Mas toda mudança pede um tempo para que possa ser assimilada.
Infelizmente, ainda não dispomos de telefone na UBS para facilitarmos a comunicação com os nossos usuários, o que seria bastante útil nesse novo processo de programar demandas (agendamentos, reagendamentos, etc), porém computadores estão sendo instalados nas UBS, e, posteriormente, reunir-nos-emos com a mesma pauta, para avaliarmos a possibilidade de oferecermos novas vias de contato para a comunidade (correio eletrônico, por exemplo).
Com as medidas citadas, pudemos perceber uma melhor organização no nosso serviço de atendimento, diminuindo a pressão de usuários e a sobrecarga na agenda. A redução de usuais brigas e ameaças, decorrentes da dificuldade de acesso, e a sensação de ter mais tempo livre (pela otimização dos atendimentos) é um alento.
Referências:
BRASIL.Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Histórico da cobertura da saúde da família. Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_ sf.php>.
BRASIL.Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Brasília, 2010.
DONABEDIAN, A. Aspects of medical care administration. Cambridge: Harvard University, 1973.
DONABEDIAN, A. An introduction to quality assurance in health care. New York: Oxford University, 2003.
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