IMPLANTAÇÃO DO ACOLHIMENTO E DO ACESSO AVANÇADO NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA III, MUNICÍPIO DE BOA SAÚDE, RIO GRANDE DO NORTE
ESPECIALIZANDA: RENATA ALLANA DA COSTA PEREIRA
ORIENTADORA: DANIELE VIEIRA DANTAS
COLABORADORES: ANTONIELLY MATEUS NUNES, DOMINGOS AVELINO DA SILVA, EDMILSON PINHEIRO DE LIMA, LUCAS EREQUES OLIVEIRA DE MOURA, PEDRO VIANA DA SILVA E ZAIRA CRISTINA DE ARAÚJO PAULO
O acolhimento surge dentro do cenário da atenção primária com a Política Nacional de Humanização e Gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2004, visando uma garantia de que todos os pacientes que procuram a rede sejam atendidos, porém levando em consideração suas prioridades a partir da avaliação da vulnerabilidade, gravidade e risco. Dessa forma, a unidade de saúde da família consegue realizar uma das suas características fundamentais: a de acolher, escutar e dar uma resposta positiva capaz de resolver os problemas de saúde da população da sua área (BRASIL, 2006).
Acolher é uma diretriz operacional que consiste em: atender todas as pessoas que procuram os serviços de saúde (garantindo a acessibilidade universal e o primeiro contanto); reestruturar o processo de trabalho, retirando a figura do médico como eixo central da unidade e inserindo uma equipe de acolhimento qualificada para realizar a primeira escuta; e qualificar a relação trabalhador-usuário, permitindo a reestruturação do serviço e a qualidade deste (FRANCO et al., 1999).
Com o acolhimento busca-se a otimização do serviço, o fim das longas filas por espera de atendimento, a hierarquização dos riscos e o acesso aos demais níveis do sistema. Trata-se de uma importante ferramenta para organização do serviço da unidade de saúde que permite o reconhecimento das necessidades de saúde da população atendida (BRASIL, 2004).
O processo do acolhimento inicia-se no primeiro contato entre duas pessoas, onde se estabelece o ouvir e a atenção. Não basta agendar uma consulta, realizar a coleta da anamnese ou de um procedimento técnico, necessita-se demonstrar disponibilidade e interesse, compreensão, e acima de tudo, incluir o próprio paciente na tomada de decisão para resolver seu problema (CAMELO et al., 2000).
Todos os seres humanos merecem ser tratados com respeito e dignidade, independente de sua situação financeira ou classe social. No cuidado com à saúde não seria diferente. Muitas vezes o paciente procura à unidade em um momento de adoecimento e fragilidade, sendo necessário ter atenção no seu cuidado e na forma como é tratado pelos profissionais. Ser chamado como uma ficha ou um número de prontuário ou não ser ouvido no momento em que mais precisa de atenção acaba sendo uma atitude desfavorável que impede o bom desenvolvimento de uma relação equipe de saúde-paciente.
Iniciei minhas atividades na Estratégia de Saúde da Família (ESF) III em Poço Comprido, município de Boa Saúde, Rio Grande do Norte (RN), em agosto de 2017. Trata-se de uma unidade básica de saúde (UBS) porte I, localizada na zona rural do município, com uma população adscrita de aproximadamente 2.300 pessoas.
Nos primeiros dias, enfrentei uma grande demanda reprimida por parte da população visto que a região estava sem atendimento médico há 06 meses. Eu chegava a unidade e me deparava com uma fila gigantesca de pacientes, nos quais muitos não eram ouvidos ou sequer atendidos, visto a limitação humana da equipe. Na época, foi chocante saber que alguns pacientes chegavam à unidade às 4h30 da madrugada para conseguir ficha para consulta médica.
Dessa forma, me reuni com a equipe e propus mudanças na nossa forma de atendimento: dividimos os dias de atendimento da unidade por área e Agente Comunitário de Saúde (ACS). A cada dia da semana atendemos uma região distinta que é responsabilidade de um ACS. Propusemos a construção de uma agenda médica para marcação de consultas, porém sem agendamentos de programas definidos, ou seja, no mesmo dia poderia haver atendimento de pré-natal, puericultura, hipertenso/diabético e de pacientes que agendaram a consulta.
Com a implantação da mudança, percebi que, em alguns dias, não era possível atender todas as pessoas que procuravam a unidade. Normalmente, eram pacientes que procuravam à equipe, sem estarem agendados, na condição de demanda espontânea, por adoecimento naquele dia. Além disso, notei que alguns pacientes que agendavam a consulta, acabavam faltando por motivo de “esquecimento” ou “por não necessitarem mais do atendimento” (cerca de 20% a 30%).
Durante as reuniões do programa Mais Médicos da V região de saúde do estado do RN, os tutores sempre frisavam a importância de se estabelecer o acesso avançado e a importância do acolhimento para um atendimento de qualidade. Cientes dessas orientações, eu e a enfermeira da ESF optamos pelo estabelecimento do acolhimento no posto de saúde.
Desde março de 2018, implantamos o acolhimento na ESF III – Poço Comprido. A agenda médica continua a existir, porém foi diminuído o número de consultas agendadas (para 70% do total de atendimentos realizados no dia). Dessa forma, sempre existem vagas para atender os pacientes que procuram a unidade na demanda espontânea.
O ACS, por ser o primeiro funcionário a chegar à unidade, é responsável por abri-la e receber os pacientes que serão atendidos no dia. Além de checar quais destes estão agendados, ele recebe àqueles que por ventura procuram o posto sem estar agendados, sejam eles atendimentos de urgências ou não.
Todo esse processo é realizado em uma sala reservada, para que se possa criar um ambiente de conforto e tranquilidade, de modo que o paciente se sinta seguro e amparado a revelar o motivo de sua busca por atendimento. Nesse mesmo momento, o ACS aproveita para traçar qual o perfil de vulnerabilidade e risco do paciente, com base na escala de Coelho-Savassi.
Figura 01. Sala de triagem: local onde o ACS acolhe o paciente e aplica a escala de risco e vulnerabilidade de Coelho-Savassi.
Figura 02. Instrumento para avaliação do risco do paciente, elaborado pela equipe baseado na escala de vulnerabilidade de Coelho-Savassi para ser utilizado pelo ACS durante o acolhimento e nas visitas domiciliares dos pacientes da área.
Quando a equipe multiprofissional chega à unidade, o ACS repassa as informações colhidas, e a enfermeira da unidade inicia o processo de triagem dos pacientes baseado no sistema de Manchester modificado (dessa forma, classifica-se os pacientes em emergentes, muito urgentes, urgentes, pouco urgentes e não urgentes), permitindo decidir quais pacientes precisam ser atendidos no mesmo dia, quais são candidatos a um agendamento de consulta com racionalidade e a referência de pacientes ao hospital do município seguindo protocolos clínicos.
Além disso, o acolhimento realizado pela enfermagem busca avaliar qual profissional da unidade melhor se adequa para atender a queixa do paciente (médico, enfermeiro, dentista ou técnico de enfermagem).
O acolhimento foi um processo instalado em nossa unidade há poucos meses. Toda mudança, em seu início, apresenta dificuldades. No momento, estamos capacitando os ACS no uso da escala de vulnerabilidade de Coelho-Savassi. Estimulamos o uso dessa ferramenta tanto no acolhimento dos pacientes e quanto nas próprias visitas domiciliares dos pacientes da área realizadas diariamente por esses profissionais.
Outra dificuldade que encontramos foi o recebimento da mudança pela própria população. A maioria viu a mudança como positiva, visto que facilitou o acesso à unidade sem a marcação de consultas. Porém, boa parcela de população não entende a triagem e a estratificação de risco realizada pela equipe no manejo dos pacientes da demanda espontânea.
Por fim, vejo o acolhimento como uma importante ferramenta para qualificação do atendimento na ESF III. Toda mudança em seu início é acompanhada de dificuldades, mas toda a equipe está empenhada em implantar essa ferramenta de trabalho por completo nos próximos meses.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
______. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
CAMELO, S. H. H. et al. Acolhimento à clientela: estudo em unidades básicas de saúde no município de Ribeirão Preto. Rev. latino-am. enfermagem, v. 8, n. 4, p. 30-7, 2000.
FRANCO, T. B. et al. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 345-53, abr-jun, 1999.
Ponto(s)