OS DESAFIOS DO ACOLHIMENTO
AMANDA PEREIRA TRIANI
ROMANNINY HEVILLYN SILVA COSTA ALMINO
Neste relato irei abordar como se deu a implantação do acolhimento na Unidade Básica de Saúde – UBS Edna Bezerra Diniz. A Estratégia de Saúde da Família é considerada, atualmente, como um eixo estratégico e reorganizador do Sistema Único de Saúde – SUS (ABRAHÃO, 2007; MENDES,2013).
Dentre as novas propostas de estruturação da Atenção Primária, destaca-se a Política Nacional de Humanização (PNH). A partir de orientações éticas, clínicas e políticas, a PNH visa reorganizar processos e arranjos de trabalho. Uma das estratégias que a norteiam, é o acolhimento (BRASIL, 2006). Ele surgiu a partir das discussões sobre a reorientação da atenção à saúde e vai além da recepção ao usuário, considerando o contexto da atenção desde a entrada deste no sistema (HENNINGTON, 2005).
A partir do reconhecimento de que o acesso a um cuidado justo, ampliado e integral, por meio da multiprofissionalidade e intersetorialidade, é um direito humano fundamental, o acolhimento surge como ferramenta capaz de possibilitar que o SUS cumpra seus princípios constitucionais (COUTINHO; BARBIERE; SANTOS, 2015).
A implantação do acolhimento em nossa UBS se deu cerca de 2 meses após sua inauguração. Houve uma mobilização de toda a equipe, a fim de aprofundar-se no tema, já que nem todos os integrantes tinham conhecimento do assunto. Então foi solicitado em reunião, após explanação dos pontos principais do que é acolhimento, que a equipe estudasse o Caderno 28 do Ministério da Saúde que trata sobre o tema.
Devido a agenda médica, inicialmente, ser mais cheia que a do enfermeiro, decidiu-se que ele faria a classificação de risco no primeiro horário e o técnico seguiria até o fim do turno com um acolhimento mais minucioso para detectar alguma situação de risco que justificasse um atendimento prioritário. Para isso, técnico foi orientado a esclarecer dúvidas com o enfermeiro, ou médica, durante o resto do turno.
No primeiro dia de implantação do acolhimento, e durante toda a semana que se seguiu, tivemos várias dificuldades. O sistema que utilizamos, o SIGSS (Sistema Integrado de Gestão de Serviços de Saúde) apenas permite que o técnico faça uma triagem. Então, após o primeiro horário de classificação de risco feito pelo o enfermeiro, o que temos é o retorno da triagem, o que já desconfigura o acolhimento com classificação de risco.
Outra dificuldade gerada por esse sistema é que a classificação de risco dele é de acordo com os critérios de Manchester, pois trata-se de uma ferramenta de características hospitalocêntricas que ainda não se readaptou para Atenção Básica, apesar do inúmeros pedidos dos trabalhadores que o utilizam há cerca de um ano no município de Boa Vista-RR. Os critérios de Manchester no sistema geram confusão na avaliação do paciente em sua classificação de risco no contexto da Atenção Básica.
Outro ponto relatado pelo enfermeiro foi a dificuldade de organizar a ordem das prioridades para a escuta qualificada. Com o acolhimento, a nossa unidade lotou, havia inclusive pessoas sentadas no chão, o que gerou estresse em toda a equipe, devido ao barulho e a interferência em nossa comunicação. O enfermeiro chamava as pessoas em ordem de chegada, porém ficava preocupado em saber se não tinha alguém com febre, dor intensa, diarreia e afins para priorizar a escuta desses usuários, tendo que ir até a sala de espera para fazer essas perguntas, pois o sistema não diferencia essas pessoas para a escuta.
Porém, tal medida ficou inviável com a superlotação da unidade e com o fato da nossa população ser muito exigente, parcela expressiva quer ser atendida, no máximo, dentro de 1 hora de espera, apesar das inúmeras explicações de como funciona o atendimento das prioridades, e alguns acabavam distorcendo sobre seus sintomas. Isso tem gerado desgaste na equipe.
Com o aumento da população de imigrantes venezuelanos e com um abrigo próximo a nossa UBS, recebemos uma demanda expressiva dessa população e suas queixas priorizam o seu atendimento, pois geralmente são crianças com febre associada à alguma infecção respiratória ou do trato gastroinstestinal. Por enquanto somos uma equipe de saúde da família e esta demanda extrapola a nossa capacidade de atendimento. Então, temos que encaminhar alguns desses pacientes para unidades próximas, que também estão sofrendo com a pressão migratória na cidade, ou para os hospitais que estão com a mesma dificuldade.
O acolhimento em nossa unidade se deu por cerca de 1 semana e meia, pois o enfermeiro foi deslocado novamente da unidade para estratégias de vacinação na cidade contra o sarampo.
Porém, com as dificuldades que observamos, estamos preocupados com a execução do nosso papel de Atenção Básica, de forma que os problemas relatados possam afetar nossas reuniões de equipe, visitas domiciliares e atividades de educação em saúde, por exemplo.
Há um consenso na nossa equipe, de que o acolhimento é uma boa ferramenta para a execução do princípio da equidade do SUS. Porém ainda é cedo para avaliar seus impactos positivos.
A literatura corrobora a existência das dificuldades e evidência a falta de normatização e padronização para a prática do acolhimento. Em revisão integrativa sobre o acolhimento na Atenção Primária, Coutinho, Barbieri e Santos (2015) verificaram que ele ainda não está totalmente sistematizado nos modelos de atenção à saúde, fato este que pode ser uma das causas para as dificuldades apresentadas, tanto pelos profissionais quanto por usuários. Portanto, faz-se necessário organizar o serviço, pautando-o em normatizações e incentivos à educação permanente.
A estratégia de como o acolhimento com classificação de risco será feito em nossa unidade precisa ser rediscutido pela equipe. Atualmente estamos sem a classificação de risco realizada por um profissional de ensino superior, devido aos frequentes deslocamentos do enfermeiro da UBS em virtude das ações contra o sarampo citadas anteriormente. Toda a equipe acolhe o usuário e avisa à médica se há algum caso de dor, febre e afins para que seja priorizado o atendimento desta pessoa, se ainda houver vagas no dia. Porém de uma forma não sistematizada.
Referências
ABRAHÃO, A. L. Atenção primária e o processo de trabalho em saúde. Informe-se em promoção da saúde, Niterói, v. 3, n. 1, p. 1-3, 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: documento base para gestores e trabalhadores do SUS. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006.
COUTINHO, L. R. P.; BARBIERE, A. R.; SANTOS, M. L. M. .Acolhimento na Atenção Primária à Saúde: revisão integrativa. Saúde Debate, | rio de Janeiro, v. 39, n. 105, p.514-524, ABR-JUN2015
HENNINGTON, E. A. Acolhimento como prática interdisciplinar num programa de extensão universitária. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, p. 256-265, 2005.
MENDES, E. V. 25 anos do Sistema Único de Saúde: resultados e desafios. Estudos Avançados, São Paulo, v. 27, n. 78, p. 27-34, 2013.
Ponto(s)