11 de julho de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

CAPÍTULO I: MUDANÇAS NO PROCESSO DE TRABALHO SOBRE A ESCUTA, O ACOLHIMENTO E AGENDAMENTO DE CONSULTAS MÉDICAS PARA OS USUÁRIOS NA EQUIPE VERDE DA UNIDADE DE SAÚDE VALE DOURADO

 

Especializando: Indy Lopes Batista

 

Orientador: Maria Betânia Morais de Paiva

 

Colaboradores: Ana Célia Maria Gadelha

 

Os princípios fundamentais do SUS consistem na universalidade, integralidade e equidade, residindo no princípio da universalidade o acesso livre e universal do cidadão aos serviços e ações de saúde. A Atenção Básica, na posição de um dos eixos estruturantes do SUS, deve ser uma fiel realizadora desse princípio, representado pela busca e atendimento dos usuários às unidades básicas de saúde, o que se torna um grande desafio por esbarrar em agravos como alta demanda populacional em detrimento do processo de escuta, acesso e acolhimento de acordo com as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida em Defesa do SUS e de Gestão(BRASIL, 2006).

 Nos diversos canais da mídia veiculam-se frequentemente notícias quanto às falhas e as filas numerosas para atendimento médico além da comercialização de vagas e fichas pelos próprios usuários. Nesse contexto, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) devem garantir mecanismos que assegurem a acessibilidade e o acolhimento dos usuários com uma lógica organizacional que torne este princípio resolutivo, empenhando-se em construir estratégias que promovam mudanças na rotina dos serviços. (MARTINS, C. C.,2012.)

Entendemos que as demandas e necessidades de saúde são construídas socialmente, ou seja, não têm uma essência imutável e não devem ser naturalizadas. Dessa forma, é restritivo falar em “reais necessidades de saúde da população”, pois isso parte da premissa de que é possível definir as verdadeiras necessidades de saúde, quando, de fato, estas são construções produzidas na dinâmica social (LUZ, 2006; CAMARGO JR., 2005; CECÍLIO, 2001).

Por isso é recomendável considerar que diferentes sujeitos e atores sociais produzem, com interesses e formas variadas, o que são demandas e necessidades de saúde, e que esses diferentes entendimentos sejam explicitados e colocados em diálogo. Resumidamente o usuário também define, com formas e graus variados, o que é necessidade de saúde para ele, podendo apresentá-la enquanto demanda ao serviço de saúde. E é importante que a demanda apresentada pelo usuário seja acolhida, escutada, problematizada, reconhecida como legítima.

Baseando-se nessa premissa vê-se a amplitude que o termo “necessidade de saúde” ganha favorecendo e consolidando o direito do cidadão a ser atendido, todavia, cabe a uma equipe profissional preparada analisar individualmente os casos para poder enquadrar pela equidade os atendimentos prioritários. O desafio de organizar adequadamente o acolhimento em uma unidade de saúde exige a agregação de novos sujeitos capazes de se envolver com a gestão do cuidado.

No trabalho em saúde, a produção e o desenvolvimento da gestão do cuidado são aspectos indissociáveis e que demandam a integração e compromisso mais profundos do que apenas serem membros das equipes mínimas da Estratégia Saúde da Família.

Há ciência de que processos autoavaliativos na atenção básica devem ser contínuos e permanentes, constituindo-se como uma cultura internalizada de monitoramento e avaliação pela gestão, coordenação e equipes/profissionais. Seu intuito é verificar a realidade da saúde local, identificando as fragilidades e as potencialidades da rede de atenção básica, conduzindo a planejamentos de intervenção para a melhoria do acesso e da qualidade dos serviços.

Durante as reuniões periódicas da equipe 113, diversas questões e agravos foram levantados por diversos componentes permitindo que respondêssemos um dos itens da subdimensão de organização do processo de trabalho referente ao manual de Autoavaliação de Melhoria de Acesso e Qualidade (AMAQ), sendo correspondente ao subitem (4.6) que questiona se a equipe organiza as agendas de atendimento individual dos diversos profissionais de forma compartilhada buscando assegurar a ampliação do acesso e da atenção à saúde em tempo oportuno aos usuários.

Preconiza-se que a equipe organize a agenda dos profissionais com base nas necessidades de saúde da população, pois isso contribui para que a ação da equipe seja integrada, multiprofissional e interdisciplinar. É importante também para a garantia de continuidade do cuidado (programático ou não), reforçando o vínculo, a responsabilização e a segurança dos usuários.

Por isso, é fundamental uma metodologia consistente de planejamento e gestão das agendas que contemple estas diferentes situações: oferta programada para grupos específicos, para demanda espontânea (consulta no dia e o primeiro atendimento às urgências;) e para retorno/reavaliação de usuários que não fazem parte de ações programáticas.

O método de análise adotado na AMAQ permite aos respondentes avaliar o grau de adequação das suas práticas aos padrões de qualidade apresentados. Para tanto, uma escala de pontuação, variando entre 0 e 10 pontos, é atribuída a cada padrão.

No quesito referente à organização da agenda chegou-se à conclusão que pontuamos em torno de 5 (cinco) significando razoavelmente satisfatório, o que acarretou na proposta de mudança na sistematização do atendimento na equipe 113 da Unidade de Saúde Vale Dourado, sugerida pela enfermeira e exposta para toda a equipe de saúde.

Há uma ferramenta na Unidade de Saúde criada pelo corpo dicente de uma universidade particular do Estado, em período de estágio letivo, que objetiva registrar e monitorar os indicadores de qualidade do PMAQ. Trata-se de um banner (Figura 1) que deveria ser exposto na área de recepção da unidade, e, preenchido pelas equipes respectivas, no fim de cada mês. O painel de indicadores quantifica e categoriza a população quanto a sexo e faixa etária; além de definir numericamente atendimentos pelos profissionais, visitas domiciliares pelos mesmos, preventivos, testes rápidos, curativos, imunizações e testes do pezinho realizados; como último subitem tem-se um panorama das principais comorbidades (hipertensão, diabetes, doenças psiquiátricas, doenças neurológicas, tuberculose, hanseníase e sequelas de AVC).

 

 

 

 

Figura 1

 

O preenchimento adequado de tal painel traduz o perfil nosológico do paciente e caracteriza a oferta de serviços e demandas que podemos proporcionar ao usuário, vimos então que a mesma estava abaixo do esperado e preconizado pelos preceitos da Atenção Básica, motivando-nos a mudança na marcação da agenda a fim de melhorar a acessibilidade e fortalecer o vínculo com o usuário. Outra ferramenta adjuvante para a efetivação da nova prática foram os relatórios mensais (de janeiro a maio) com número de consultas agendadas e do dia, colhidos diretamente do prontuário eletrônico do cidadão, percebendo-se uma desproporção entre os meses pregressos e uma melhoria com a intervenção no processo de agendamento.

O cenário antigo consistia na marcação semanal de fichas com número pré-determinado (40 fichas) implicando na formação de filas em horários inconvenientes, prejuízo ao bem-estar da população e no comprometimento do propósito de longitudinalidade preconizado para a Estratégia de Saúde da Família (ESF), visto que, pela dificuldade de acesso, o usuário não retornava ao serviço corretamente. Além da ocorrência de práticas ilegais como o comércio de lugares na fila de espera de marcação e falsificações grosseiras das fichas.

A partir disso, viu-se que uma forma de atuar seria através da organização de um sistema de marcação, que oferecesse oportunidade àqueles que necessitam de consultas ambulatoriais em prazos menores e para os que não pudessem ir em dia ou horário determinado de agendamento. Foi feita uma escala diária com revezamento entre os profissionais da equipe permitindo o agendamento de oito consultas no turno da manhã e seis no turno da tarde (exceto em dias de atendimento do programa de pré-natal), sobrando espaço para no mínimo quatro atendimentos/turno para a demanda livre que chega à unidade, garantindo acesso à maioria.

As mudanças começaram a ser implementadas de maneira programada, a partir de um treinamento da equipe, deixando-a pronta para responder aos questionamentos que surgirão por parte da população e com capacidade de informar às pessoas sobre as modificações que ocorrerão, educando-as sobre a procura dos diversos serviços oferecidos na atenção básica de acordo com seu caso específico, tudo em linguagem simples e de fácil compreensão para a comunidade assistida.

Uma das dificuldades impostas ao processo de intervenção consiste no treinamento de toda a equipe e na presença e necessidade dos agentes comunitários de saúde como responsáveis pelo agendamento a fim de completar a escala. Quando se trata de consulta eletiva para “check-up” ou consulta de rotina não se vê problema na execução dessa função pelos agentes, entretanto faz-se necessário que a equipe de marcação esteja capacitada em relação a definir intervenções de acordo com a estratificação da necessidade do usuário mediante a avaliação de risco e vulnerabilidade em “não agudo”, que podem esperar para intervenções programadas e “agudas”, que necessitam de atendimento imediato, prioritário ou no dia. Dessa forma, o princípio da equidade preconizado pelo SUS poderá ser garantido e a necessidade do usuário atendida de acordo com a demanda. 

Uma solução imposta para esse agravo consistiu em mesclar a escala sempre com um profissional de saúde de nível técnico ou superior e diante de dúvidas maiores, ter como suporte para estratificar o risco o apoio do corpo de enfermagem e médico. A presença de todos os profissionais da equipe no processo de marcação trouxe como algo positivo uma maior proximidade e, conseqüentemente, compreensão do usuário como um todo, não se restringindo ao contato único com o agente de saúde lotado para a sua área. 

Observou-se também que a mudança no processo de marcação tornou-se espelho para as demais equipes alocadas na mesma unidade que aos poucos vêm modificando seus processos de agendamento, contribuindo para a coesão de toda a unidade, e, ainda, preenchendo um dos pressupostos do Ministério da Saúde acerca do que deve ser considerado no processo de monitoramento das ações desenvolvidas pela equipe, permitindo a identificação de experiências exitosas e a criação de oportunidades de cooperação horizontal entre as equipes, promovendo o reconhecimento entre pares e as relações solidárias, mais do que a competição por melhores resultados.

A presença do prontuário eletrônico do cidadão é uma ferramenta primordial para a execução do agendamento, permitindo marcações, reagendamentos e programações em longo prazo. O sistema de marcação do retorno de pacientes já se encontra em uso e vem mostrando eficácia.

Um ganho enorme deve-se à alimentação do sistema de informação em relação ao acesso e continuidade do cuidado com os índices de atendimentos mensais por demanda agendada e espontânea, permitindo análise comparativa e conclusões de pequenas melhorias sobre o novo processo de agendamento. É válido lembrar que os processos avaliativos demandam tempo para a execução de parte do plano de intervenção, permitindo que nos próximos momentos autoavaliativos sejam identificadas melhorias na qualidade dos serviços.

O acolhimento contextualizado na gestão do processo de trabalho em saúde na atenção básica, tocando em aspectos centrais à sua implementação no cotidiano dos serviços apresenta ofertas de abordagem de situações comuns no acolhimento à demanda espontânea, utilizando-se do saber clínico, epidemiológico e da subjetividade, por meio do olhar para riscos e vulnerabilidades.

Diante disso, o acolhimento com avaliação e classificação de risco insere-se como uma intervenção potencialmente decisiva na reorganização e realização da promoção de saúde em rede, executando-se a partir da análise, problematização e proposição da própria equipe em relação à comunidade e usuário. Por fim, esperamos que, com essa iniciativa e em articulação com outras ações desenvolvidas, possamos contribuir efetivamente para o fortalecimento da atenção básica, no seu papel protagonista de produção e gestão do cuidado integral em rede, impactando positivamente na vida das pessoas e coletivos.

 

 

Referências

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais dos Pactos pela vida, em Defesa do SUS e de Gestão. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.

 

MARTINS, C. C. Análise do processo de acolhimento em Unidades Básicas de Saúde em Minas Gerais tendo por preferência o Plano Diretor da Atenção Primária à Saúde. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro: 2012.

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea .1. ed.; 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013 (Cadernos de Atenção Básica; n. 28, V. 1.

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. Atenção Básica / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Série B. Textos Básicos de Saúde. Cadernos HumanizaSUS ; v. 2.

 

DINIZ, J.S. Necessidades em saúde e oferta da atenção primária nos municípios de Minas Gerais: uma análise sob a ótica da equidade em saúde. Dissertação (Mestrado em Administração, Economia da Saúde, Políticas Públicas de Saúde) – Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, Fundação João Pinheiro. Belo Horizonte, 2014.

 

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Autoavaliação para melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica : AMAQ . 2. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.

 

 

 

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