30 de outubro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

AÇÕES NA UNIDADE BÁSICA PARA MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIENTES COM DOENÇAS CRÔNICAS

 

ESPECIALIZANDO: FRANCISCO NOLACIO DE AQUINO FILHO

ORIENTADOR: ISAAC ALENCAR PINTO

 

Após responder a Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade (AMAQ), conseguimos mensurar alguns déficits presentes na Estratégia Saúde da Família (ESF) na unidade ESF 2 Cristalino Leite da Silva, no município de Dr. Severiano/RN. Entre esses, escolhemos intervir no indicador “4.29 Atenção às pessoas com hipertensão, diabetes e obesidade com base na estratificação de risco”.

As doenças crônicas apresentam impactos na qualidade de vida do paciente e na economia, e requer recursos constantes na saúde pública. Nesse sentido, o diabetes encontra-se com uma relação direta ao excesso de peso produzindo diversos desfechos desfavoráveis em saúde (BRASIL, 2011; MALTA et al., 2015). A prevalência de DM aumentou acentuadamente em todo o mundo nos últimos anos: em 1985, eram cerca de 30 milhões casos, elevando-se para 382 milhões em 2013, com previsão para 592 milhões em 2035. Por sua vez, esse aumento é mais significativo para o DM 2, possuindo relação com obesidade e sedentarismo, numa representação de 90% do número total de diabéticos (BRASIL, 2006; IDF, 2013; WILD, 2004).

As doenças crônicas, tais como diabetes, são um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos apresentados como via comum à hiperglicemia decorrente de disfunções na ação/secreção da insulina (SBD, 2015). Focaremos, nesse caso, no diabetes “tipo 2”, no qual observamos que esse quadro faz parte de uma síndrome maior que, frequentemente, apresenta múltiplos fatores de riscos cardiovascular associados, como hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, configurando a síndrome metabólica.

Além disso, sabemos as complicações que, a longo prazo, as doenças crônicas causam, por exemplo, o diabetes é responsável por retinopatia, uma das principais causas de cegueira em indivíduos entre 25 e 74 anos nos países desenvolvidos. Normalmente, ela ocorre em quase 95% dos DM tipo 1 e em 60% dos pacientes dos DM tipo 2 após o mesmo período (FONG DS et al., 2003 apud ESTEVES, J., et al., 2008).

O descontrole da DM pode levar à lesão glomerular, provocando a nefropatia diabética que, por sua vez, é a causa mais comum de insuficiência renal crônica terminal nos EUA e Europa. Sendo assim, ela é um importante fator de risco para HAS e doenças do aparelho circulatório, contribuindo para o aumento da morbimortalidade (PINTO et al., 1997).

O comprometimento do sistema nervoso periférico pode ocorrer em até 50% dos pacientes diabéticos tipo 2; os estudos DCCT e UKPDS demonstram relação direta com a hiperglicemia. Assim, segundo Sambataro et al. (2014 apud BUENO; BATISTA; THOMAZELLI, 2016), o pé diabético é a principal causa de amputação de membros inferiores não traumática em nosso país. Visto isso, podemos ter noção da importância de mudanças de hábitos corriqueiros e melhorar esses indicadores de saúde.

Pacientes com DM apresentam maior risco cardiovascular comparado com a população saudável, apresentando até o dobro de casos (SELVIN et al., 2004 apud SIQUEIRA; ALMEIDA-PITITTO; FERREIRA, 2007), além de aumentar em 3 (três) vezes a mortalidade por acidente vascular encefálico (AVE), segundo Stamler et al. (1993 apud SIQUEIRA; ALMEIDA-PITITTO; FERREIRA, 2007). Vale ressaltar que, no famoso estudo Framinham, o DM é um fator independente de risco para infarto agudo do miocárdio (IAM) e AVE.

Além do acréscimo no número de DM e hipertensos pelo mundo devido ao aumento da população idosa e às taxas de obesidade e sobrepeso (DEEDWANIA, 2011), observamos alguns traços nos padrões dietéticos e nutricionais da população brasileira em todas as classes sociais e faixas etárias, caracterizando uma redução nas prevalências dos déficits nutricionais e acentuando aumento de sobrepeso e obesidade (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003).

No Brasil, a principal ferramenta que nos traz estes dados advém da análise de dois inquéritos nacionais, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos anos de 1974/1975 e em 1989 (PINHEIRO et al., 2004). Diversos estudos epidemiológicos demonstram a relação de associação entre diabetes e hipertensão, evidenciando uma prevalência de duas vezes a presença de hipertensão em pacientes diabéticos em comparação aos não diabéticos (FREITAS, 2012). Além do mais, a hipertensão acomete mais de 40% dos pacientes com diabetes (SOWERS, 2001; EPSTEIN 1992), e essa ocorrência deve guiar a abordagem destes pacientes e o seu tratamento, visto que a obesidade é um importante fator de risco para diversas patologias, como DM, HAS, dislipidemia, apneia do sono, câncer, osteoartrortrite e distúrbios psicossociais. No mais, vale lembrar que os riscos atribuídos à obesidade começam a se elevar a partir de um IMC de 25 kg/mg² (WHO, 1998).

Devido à importância do tema e a uma percepção dessa carência no cuidado continuado aos pacientes com hipertensão, diabetes e obesidade, planejamos a abordagem inicial com flexibilidade nas possíveis mudanças que possam ocorrer com a ação já em andamento, visando o melhor para uma saúde mais completa. Para isso, reunimos a equipe da nossa unidade com os profissionais médicos, enfermeiro, agentes de saúde, técnico de enfermagem e nutricionista. Nesse encontro, dividimos inicialmente as responsabilidades básicas de cada integrante, ficando os agentes comunitários de saúde responsáveis pela pesquisa de dados pelo e-SUS dos números de hipertensos e diabéticos cadastrados até o momento e cada agente realizou visitas para divulgação do evento. A enfermagem, por sua vez, juntamente com o auxiliar de enfermagem, ficaram responsáveis pela aferição da PA, da circunferência abdominal, do peso, da altura e do cálculo de IMC. Por sua vez, a nutricionista ficou encarregada por realizar palestras educativas sobre alimentação saudável em relação a cada comorbidade, enquanto o médico organizava palestras educativas (uso de fitoterápicos, dietas cetogênicas), rever as medicações dos pacientes e introduzir uma terapêutica voltada para mudanças no estilo de vida e hábitos alimentares, estimulando assim um resultado satisfatório dos pacientes.

Na primeira reunião, elaboramos algumas informações gerais sobre o cronograma da ação, que será realizado inicialmente uma vez por mês na quadra poliesportiva, próximo à unidade básica, visto que iremos ter mais espaço para acomodar os pacientes e também para realizar as atividades físicas. Nessa reunião, a nutricionista abordou a questão sobre a alimentação mais saudável dando exemplos práticos; o médico realizou renovação de receituário e, juntamente com os auxiliares, foi medido os parâmetros antropométricos.

Nessa experiência, foi observado que a metodologia de grupos pode ser implantada de forma a obter êxitos, fortalecendo vínculos de pacientes com quadros clínicos semelhantes, além de fortalecer o trabalho em equipe dos profissionais da saúde básica. Apesar dessa evolução na criação de grupos terapêuticos, podemos notar a dificuldade da adesão à prática de atividades físicas e à prática da alimentação saudável devido à variedade de produtos com alto teor calórico e ricos em carboidratos e a influência cultural dos pacientes.

No entanto, apesar dessa constatação, os pacientes estão cientes que necessitam mudar hábitos e que aprendem juntamente com os profissionais que os benefícios irão ser maiores com essas práticas. Com a implantação desse grupo, espera-se uma melhora do quadro clinico dos pacientes, diminuindo a ocorrência das principais complicações e melhorando a saúde como um todo do indivíduo, a partir da criação de uma educação permanente com grande impacto sobre a morbimortalidade.

 

REFERÊNCIAS

BATISTA FILHO, M.; RISSIN, A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad. Saúde Pública, 19(Sup. 1): S181-S191, 2003.

BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: Diabetes Mellitus. Brasília: n.16, 2006.

DEEDWANIA, P. C. Blood pressure control in diabetes mellitus: is lower always better and how low should it go? Circulation. 2011;123(24):2776-8.

EPSTEIN, M.; SOWERS, J. Diabetes mellitus and hypertension. Hypertension. 1992; 19(5):403-418.

FONG, D. S.; AIELLO, L.; GARDNER, T. W. et al. Diabetic Retinopathy. Diabetes Care. 2003;26:226-9 apud ESTEVES, J., et al. Fatores de Risco para Retinopatia Diabética. Arq Bras Endocrinol Metab 2008; 52/3:431-441.

FREITAS, L. R. S.; GARCIA, L. P. Evoluçao da prevalência do diabetes e deste associado à hipertensão arterial no Brasil: analise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios, 1998, 2003 e 2008,Epidemiol. Serv. Saude v. 21 n.1, Brasilia mar. 2012.

HECKERT, A. L. C.; PASSOS, E.; BARROS, M. E. B. Um seminário dispositivo: a humanização do Sistema Único de Saúde (SUS) em debate. Interface Comun Saúde Educ 2009;13(sup1);493-502.

 

MALTA, D. C. et al. A vigilância e o monitoramento das principais doenças crônicas não transmissíveis no Brasil – Pesquisa nacional de saúde, 2013. Rev Brasileira Epidemiol, v.02, n.03, 2015.

INTERNETIONAL DIABETES FEDERATION – IDF. IDF Diabetes Atlas: 6 th edition. Brussels, 2013.

PINHEIRO, A.; FREITAS, S. F. T.; CORSO, A. C. T. Uma abordagem epidemiológica da obesidade, Revista de Nutrição, vol. 17 numero=4, Campinas Oct./Dec. 2004.

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SBD SBdD. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes. 2012. Diabetes. 2015;1.

SELVIN E, MARINOPOULOS S, BERKENBLIT G, RAMI T, BRANCATI FL, POWE NR, et al. Meta-analysis: glycosylated hemoglobin and cardiovascular disease in diabetes mellitus. Ann Int Med 2004;141(6):421-31 apud SIQUEIRA, Antonela F.A.; ALMEIDA-PITITTO, Bianca de; FERREIRA, Sandra R.G. Doença Cardiovascular no Diabetes Mellitus: Análise dos Fatores de Risco Clássicos e Não-Clássicos. Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/2:257-267.

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WILD, S. et al. Global prevalence of diabetes. Diabetes Care. Alexandria, v. 27, n. 5, p. 1047-1053, 2004.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity. Preventing and Managing the Global Epidemic. Report of a WHO Consultation on Obesity. Geneva: World Health Organization; 1998.

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