CAPÍTULO I: A reunião em equipe como estratégia de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção
Segundo o Dicionário Aurélio, avaliar significa determinar o valor de, compreender, apreciar. Nesse sentido, o processo de avaliação, aplicado no contexto de trabalho de uma equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF), se estabelece como um recurso pertinente para identificação de falhas na assistência à população. Quando esse processo é desenvolvido pela própria equipe, busca-se suscitar reflexões sobre aquilo que determinou sucesso no trabalho e também aquilo que não trouxe benefícios, mas que, de certa forma, permitiu algum aprendizado. Porém para que a autoavaliação aconteça, precisamos, antes de mais nada, de uma reunião de equipe!
A reunião é um momento de encontro dos membros da equipe para diálogo acerca de diferentes problemas do processo de trabalho. A incorporação dessa estratégia nas equipes de Atenção Básica pode contribuir de forma significativa para a melhoria da assistência à saúde (CRUZ et al., 2008).
As reuniões em equipe, infelizmente, são encontros raros na realidade da nossa Unidade Básica de Saúde, porém conseguimos reunir boa parte da equipe para responder a Autoavaliação para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (AMAQ). A AMAQ é extensa, prolixa em muitos pontos, mas foi importante para identificarmos falhas, principalmente no nosso processo de trabalho. Todos tiveram a oportunidade de opinar sobre os mais variados tópicos da autoavaliação. Conhecer um pouco sobre o que cada um pensa a respeito do nosso processo de trabalho, nos permitiu identificar potencialidades individuais que até então desconhecíamos. Fizeram-nos também refletir que, trabalhando juntos e somando forças, conseguiremos enfrentar os problemas que tanto nos atormentam no dia-a-dia. Porém, a conquista mais importante desse processo de autoavaliação foi a identificação de nossas principais fragilidades.
Um dos itens de pior avaliação identificado pelo grupo foi, justamente, o ‘4.15’ que questiona a realização de reuniões periódicas pela equipe. Percebemos que a melhoria da qualidade da atenção e do acesso só será possível se definirmos, conjuntamente, um planejamento sólido, estruturado com as diversas opiniões da equipe e da população. Esse foi o problema escolhido para construção de uma matriz de intervenção.
Nossa Unidade Básica de Saúde (UBS) fica situada no centro da cidade de Macau, estado do Rio Grande do Norte. A equipe é formada por um médico (integrante do Programa Mais Médicos), enfermeira, dentista, técnica de enfermagem, auxiliar de saúde bucal, diretora, duas recepcionistas, além de 10 ACS. Trata-se de uma UBS tipo I, conforme classificação do Ministério da Saúde (MS). A área adscrita contempla uma população de pouco mais de 7.000 pessoas.
Desde que iniciei as atividades em julho de 2017, foram poucos os momentos em que convocamos todo o grupo para discussão. A equipe sempre trabalhou de uma forma tradicionalista, em que o profissional médico era o centro da atenção e as ações de saúde eram voltadas para a doença, supervalorizando o atendimento clínico individual e a medicalização. A ideia de retirar um turno de atendimento do médico para realização de reunião era, até então, inconcebível pela equipe, com fortes críticas do grupo e principalmente da população. Muitas vezes, inclusive, tivemos que ceder à pressão da população “que clama por atendimento médico”, cancelando reuniões com a participação desse profissional.
Ressalta-se que as reuniões em equipe são de grande importância no contexto da ESF, pois possibilitam o planejamento coletivo elaborado a partir de reuniões periódicas entre os membros do grupo. Além disso, elas possibilitam a definição das ações e intervenções a serem realizadas no território/comunidade/equipe (CRUZ et al., 2008)
O modelo biomédico, centrado na figura do médico através de ações puramente curativas e na prática da medicalização excessiva, é inconcebível na atual estruturação da saúde proposta pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, esse modelo – ainda que parcialmente – influencia os processos de trabalho de muitas equipes de atenção básica ao supervalorizar o “atendimento ao doente”, com agendas rígidas que contemplam apenas consultas individuais as quais, muitas vezes, precisam ser rápidas – devido ao número excessivo de usuários que procuram a UBS. Não há tempo disponível para atividades de orientação comunitária, voltadas para prevenção e promoção da saúde.
O modelo assistencial baseado na ESF se diferencia do modelo biomédico por definir a comunidade como foco da atenção, por estimular o trabalho em equipe multiprofissional e por resgatar o conceito de integralidade do cuidado, ao articular ações de promoção, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação (FERTONANI et al., 2014). Mas será que o médico tem espaço para participar de forma efetiva de todos esses princípios da ESF, diante de agendas rígidas de atendimento clínico?
Diante do que foi exposto foi elaborada uma microintervenção com o objetivo de implementar um processo de reunião de equipe, de forma sistematizada e contínua, visando o planejamento das ações, a organização e o monitoramento do trabalho com base nos indicadores do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ).
Para isso as reuniões ocorrerão semanal ou quinzenalmente (a depender da necessidade da equipe), com dias e horários previamente definidos. Deverá contar com a participação de 100% da equipe. As decisões serão registradas em ata. Todos deverão trazer problemas e propor soluções para aqueles identificados ao longo da semana. Além disso, cada profissional se comprometerá em atualizar, semanalmente, os indicadores do PMAQ, trazendo-os para discussão nas reuniões de equipe.
Vejo que esse momento foi o ponto de partida inicial para a superação da “visão medicocêntrica” historicamente construída no inconsciente da minha equipe de saúde da família. Acredito que a partir de agora se perceberá a atuação do médico como mais um membro colaborativo do processo de planejamento e não apenas um profissional voltado, única e exclusivamente, para a prescrição medicamentosa.
Ponto(s)