30 de agosto de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

                       

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA                                                                                                                                                                    

Autora: Isabela Marques de Farias 

Orientador :Cleyton Cezar Souto Silva  

                                                                                                 Quebra de paradigmas 

                              Nas últimas décadas vivenciamos em nosso país o contexto da  Reforma Psiquiátrica. Em contraposição a maioria dos  movimentos psiquiátricos anteriores onde o doente psiquiátrico era visto como desprovido de cidadania e incapaz de cuidar de si próprio, portanto deveria ser tutelado pelo Estado e recluso em manicômios, a Reforma Psiquiátrica em curso enxerga o “louco” como um cidadão como todos os outros. Nesse novo contexto o doente deve ser incluso na sociedade, imponderado e tratado socialmente como um indivíduo qualquer apto ao trabalho e ao convívio social e apenas com a ressalva de não abandonar seu tratamento e acompanhamento de sua patologia.(PINTO;THIAGO ROCHA,2018)

                               Diferente do ocorrido em tempos passados onde a privação do convívio social era a base do tratamento, atualmente o convívio social é um dos principais patamares do plano terapêutico e a reclusão só deve ocorrer em casos graves onde todos os outros tratamentos não surtiram o efeito desejado. O  tratamento atual  consiste na inclusão no mercado de trabalho, no emponderamento do doente, na realização de dinâmicas, esportes, atividades em grupo, no conhecimento do paciente sobre sua condição entre outros. Esta é uma das grandes controvérsias médicas onde em questão de décadas houve uma mudança radical e inversão total de conceitos psiquiátricos relativos ao tratamento dessas condições. Em pouco tempo o “louco” mudou seu status de escória social para a de um cidadão singular que deve receber mais atenção, maior cuidado e até mesmo maior afeto.(PINTO;THIAGO ROCHA,2018)

                                De acordo com Organização Mundial de Saúde (2013)  700 milhões de indivíduos em todo o mundo sofrem de doenças mentais, desses um terço não realiza acompanhamento médico e muitos não tem sequer ciência de sua condição mental. Isso se deve em grande parte ao preconceito que ainda está entranhado em nossa cultura em relação as doenças mentais. Muitos indivíduos sofrem calados e até mesmo tentam esconder os sintomas. Felizmente este cenário vem mudando a medida que a ciência e a medicina progridem seus conhecimentos e aperfeiçoam as estratégias terapêuticas.

                                Com as quebras de paradigmas que ocorreram, a Atenção Primária a Saúde  (APS) ganhou  papel de destaque no novo plano terapêutico. A APS se tornou uma forma indireta de rastreio desses pacientes, um excelente “método” de diagnóstico  precoce e orientação da população leiga, um “instrumento” terapêutico mais humanizado e acessível ao povo. Além disso a APS é capaz de realizar um acompanhamento longitudinal mais eficaz que a atenção especializada. Na grande maioria dos casos esse nível de atenção a saúde, contando com o apoio multiprofissional, consegue ser resolutivo sendo necessário encaminhar para atendimento especializado apenas  casos mais complexos porém,sem jamais deixar de ser responsável pelo paciente e continuar o acompanhamento na Unidade Básica de Saúde onde se iniciou o primeiro atendimento.(BRASIL,2013)

                                  Ao estudar este módulo, da Especialização em Saúde da Família, sobre o Programa de Saúde Mental e realizar as reflexões solicitadas no tutorial desta microintervenção pude concluir que até o presente momento trata-se da maior deficiência de nossa equipe. Infelizmente estamos deixando a desejar em inúmeros quesitos do PMAQ. Não realizamos nos últimos anos ações educativas voltadas aos pacientes em tratamento psiquiátrico, a maioria dos pacientes referenciados não retornam para continuação do cuidado, não temos registro do quantitativo de usuários de crack e nem mesmo do número de pacientes em uso de medicações psiquiátrica e suas especificações relevantes, o registro de pacientes com doenças mentais em nossa área deixa a desejar e uma porcentagem significativa de nossa equipe desconhece totalmente ou apresenta dúvidas  importantes  na inclusão ou exclusão dos pacientes no programa. Confesso que me assustei com a ignorância da equipe em relação ao tema por se tratarem de profissionais de saúde que estão há anos exercendo a profissão, mas não me deixei desanimar. Indaguei a equipe sugestões para melhoria desse cenário e nosso primeiro passo foi construir o instrumento de registro (ANEXO 2) solicitado por esta microintervenção buscando atender os critérios exigidos pelo PMAQ e satisfazer nossa necessidade de registro destes pacientes.Temos também pontos positivos, nossa equipe sempre está em contato próximo aos pacientes e para aqueles que procuram atendimento no Programa de Saúde Mental a consulta é agendada e realizada praticamente no mesmo dia, nos casos mais complexos realizo visitas domiciliares para atendimento médico mais acessível a estes pacientes.

                                     Durante o processo de realização da atividade também procurei obter informações sobre o funcionamento do aparato de Saúde Mental do SUS no município em que atuo. Em Macapá possuímos uma unidade de cada um dos seguintes tipos de CAPS: CAPS i, CAPS ad e CAPS III. Também contamos com o apoio psiquiátrico do Hospital das Clinicas de Macapá. Em conversa com a coordenadora de um dos CAPS presentes no município soube que apenas o CAPS ad está regularizado perante ao Ministério da Saúde em todo o estado e nossa unidade CAPS III está em processo de documentação. Nosso  CAPS III conta  com 3000 usuários cadastrados, não fica ativo 24 horas, conta com atendimento de dois psiquiatras e acolhe pacientes por demanda espontânea e encaminhamentos. Temos também uma grande falha no município,nosso CAPS III está sobrecarregado com pacientes depressivos de grau leve que poderiam estar em tratamento apenas na UBS.

                                Como solicitado escolhe um de meus pacientes para a realização do Plano Terapeutico Singular (PTS).O paciente em questão A.B.M  é do sexo feminino tem 23 anos e apresenta um quadro depressivo grave.O quadro se iniciou há dois anos através de  uma depressão pós parto e três tentativas de suicídio.A paciente foi ao consultório para uma consulta de puericultura acompanhada de marido e filho, no momento da consulta apresentou-se chorosa e bastante ansiosa com um simples quadro gripal de seu filho.Indaguei a paciente sobre seus sentimentos e esta juntamente ao marido me relataram todo o histórico depressivo e as tentativas de suicídio logo após o parto,a paciente também relata que durante o puerpério não sentia apego pela criança mas com o tempo o amor pelo filho prevaleceu. Durante estes dois anos a paciente realizou tratamentos particulares com um psiquiatra e fez uso de vários antidepressivos com boa aceitação do tratamento e mantendo um quadro melancólico.Logo após termino da consulta a paciente retornou ao meu consultório desacompanhada  para ter mais privacidade ai então,a paciente me confessou que há 6 meses deixou de usar as medicações por conta própria sem o conhecimento dos familiares e desde então apresenta piora progressiva.Diante desta situação grave orientei a paciente de forma amigável e acolhedora, retornei suas medicações e discuti o caso com a psicóloga do NASF e a coordenadora do CAPS III onde elaboramos um PTS para esta paciente. Concordamos em realizar uma avaliação com médico psiquiatra através do CAPS III,consultas semanais com a psicóloga e consultas medicas comigo a cada 15 dias.Tambem discutimos com a paciente atividades esportivas para auxilio no tratamento.No momento estou aguardando a contra referência do CAPS.

                                    Através da atividade deste módulo e debate com a equipe chegamos ao acordo de realizar no próximo mês uma ação com nossos pacientes psiquiátricos, preencher rigorosamente o instrumento construído e nos empenhar em melhoras nosso Programa de Saúde Mental. Também foi acordado que a equipe irá realizar o estudo de alguns artigos que recomendei para melhorar o conhecimento sobre o tema e o acolhimento ao doente mental.Em nossa próxima reunião irei debater com a equipe o básico para melhora de nossas atividades.

Referências :

CORREIA, Valmir Rycheta; BARROS, Sônia; COLVERO, Luciana de Almeida. Saúde mental na atenção básica: prática da equipe de saúde da família. Rev. esc. enferm. USP,  São Paulo ,  v. 45, n. 6, p. 1501-1506,  Dec.  2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000600032&lng=en&nrm=iso>. access on  21  July  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000600032.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. A Saúde Mental pelo prisma da saúde pública. Relatório sobre a saúde no mundo 2001 – Saúde Mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: OPAS/OMS, 2001. p. 1-16.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos de Atenção Básica nº 34 – Saúde Mental. Brasília, Editora MS, 1ª ed. 2013.

PINTO,THIAGO ROCHA. Atenção à Saúde Mental na Atenção Primária a Saúde.Programa de Educação Permanente em Saúde da Família. Brasil, Julho 2018.

 

 

 

1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (No Ratings Yet)
Loading...
Ponto(s)