15 de agosto de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

            

TITULO: Saúde mental de qualidade, um desafio na Atenção Primaria de Saúde.

 

 ESPECIALIZANDO: Yanisley  Rodríguez de la Cruz.

 ORIENTADORA: Maria Helena Pires Araújo Barbosa.

   

   A atenção primaria a saúde (APS) é a porta de entrada do usuário para os serviços básicos de saúde. É por meio dela que o indivíduo vai ter o primeiro contato com o profissional dessa área e receber o encaminhamento necessário. No Brasil, com a Reforma Psiquiátrica, houve uma maior interação entre a APS e a saúde mental. A APS tem como características promover ações na área da saúde, tanto em nível coletivo quanto individual, tendo como metas o diagnóstico precoce de doença, seu tratamento, bem como a reabilitação e a manutenção da saúde do indivíduo.

            A Unidade Básica de Saúde (UBS) Maria Gomes de Andrade, em que atuo, pertence a um municipio do interior de Sergipe. Existe em nossa área de abrangência um alto número de pessoas com diagnóstico de transtorno mental. Sendo assim, o objetivo desta microintervenção é oferecer atendimento integral ao usuário com diagnóstico de transtorno mental.

            Na UBS constamos com um médico psiquiatra que realiza consultas uma vez ao mês, geralmente na última quarta-feira do mês. As consultas são agendadas no dia anterior e só são disponibilizadas 20 vagas, com preferência para os casos novos. Também são priorizados os usuários que apresentem agudizações do transtorno anteriormente diagnosticado. A reavaliação é feita de 3 em 3 meses, ou de acordo com as necessidades individuais de cada um.

            O médico clínico geral tem também um papel importante no acompanhamento desses usuários, pois quase que diariamente recebemos em nossas consultas pessoas com sofrimento psíquico que precisam ser avaliados integralmente, tratados, acompanhados e, em casos específicos, encaminhados para consultas com psiquiatra, psicólogo ou para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

            No dia a dia da nossa equipe, principalmente a médica e a enfermeira, realizamos ações voltadas às pessoas que fazem uso crônico de medicamentos controlados. Nas consultas explicamos os efeitos indesejados dos medicamentos, dos riscos do uso prolongado, assim como da importância da utilização durante o menor tempo possível. Além disso temos realizado várias palestras sobre o uso de medicamentos controlados, para que a população seja sensibilizada sobre o tema. Ressalta-se que nossos agentes comunitários de saúde tem um papel fundamental na busca ativa de pessoas em uso crônico de medicamentos controlados e do uso abusivo de drogas lícitas e/ou ilícitas.

            Dentro dos numerosos casos de pessos com sofrimento psíquico que necessitava de atendimento integral em saúde mental, a equipe propôs o caso que sejá discutido a seguir. Trata-se de um jovem com 22 anos de idade, que compareceu a consulta acompanhado da genitora relatando estar deprimido, sem vontade de tomar banho, fazer a barba ou sair de casa. Encontrava-se desempregado atualmente (relata ter perdido empregos anteriores por seu temperamento irritável, originado brigas com colegas de trabalho). Durante a consulta, sua mãe respondia quase todas as perguntas pois ele falava pouco e tinha ausência da expressão facial. Filho de pais divorciado, e família disfuncional, relatou que todos o chamavam de louco, mas ele não estava louco.

            Para o caso exposto foi indicado como tratamento um antipsicótico (haloperidol) nesta primeira consulta. Além disso, colocamos o caso como prioridade no agendamento da consulta com o psiquiatra para avaliação e reajuste do tratamento. Ele foi encaminhado para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para ser acompanhado e a nossa equipe fez visitas semanalmente a esse indivíduo e sua família para avaliar a evolução do caso. Com o apoio de outras organizações, fizemos intervenção psicossocial com o objetivo do envolvimento deste com atividades sociais e ocupacionais, diminuindo com isto a estigma da doença mental perante a sociedade. Também foi necessário realizar uma intervenção familiar para eles entenderem melhor a doença diagnosticada e oferecer todo o apoio que os mesmos precisassem. Com essas medidas, foi possível a construção do vínculo entre a família e a equipe de saúde. Atualmente, quando o indivíduo apresenta alguma agudização do quadro, ele só aceita o tratamento médico se for oferecido pelo enfermeiro da equipe.

            Isso demostra a importância do trabalho na comunidade realizado pela equipe da ESF. Contudo, o trabalho não é cor de rosas e nós enfrentamos dificuldades em nossas atuações diárias, e que nem sempre dependem de nosso trabalho, mas repercutem diretamente nos resultados desejados. Um exemplo é que a nossa unidade dispõe de um médico psiquiatra, mas as consultas são uma vez por mês e isso não é suficiente para abranger o grande número de pessoas com sofrimento psíquico.

            Outro ponto é que não temos CAPS em nosso município, só existe um sistema de consórcio entre vários municípios. Sendo assim, a demanda é muito maior que a oferta de serviços, tornando a acessibilidade menor. O CAPS é tipo I oferecendo os serviços preconizados pelo Ministério da Saúde para esta categoria. Não disponibiliza o acolhimento noturno e é oferecida assistência psiquiátrica, psicológica, de enfermeiros e de serviço social.

            Nossa UBS conta com o Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção (NASF-AB) incipiente visto que ainda não está em total funcionamento (só são fornecidos alguns atendimentos com a fonodióloga, a nutricionista e o fisioterapêuta). O hospital de referência para pessoas com sofrimento psíquico é o Hospital São José, localizado em Aracaju e só aceita os usuários que sejam encaminhados nos serviços do Serviço Móvel de Urgência (SAMU) e com prévia regulação com o hospital. Também temos dificuldades em quanto a contrarreferência. Afinal, o usuário volta para continuar o acompanhamento na UBS, após internação no hospital ou atendimento em algum centro especializado, sem que a equipe receba a contrarreferência. Portanto, o médico da atenção básica fica sem saber o tratamento e procedimentos realizados durante esse período.

            Como atividade resultante da microintervenção, a equipe desenvolveu um instrumento de registro dos usuários com diagnóstico de doença psíquica em uso de medicamentos neurolépticos ou que fazem uso abusivo de drogas lícitas e/ou ilícitas. Para isso realizamos várias reuniões com a participação da equipe, assim como do médico psiquiatra. Realizamos visitas ao CAPS para tentar obter toda a informação disponível, assim como informações disponibilizadas pela secretaria de saúde. Por fim, explicamos aos ACS a importância de obter informações confiáveis e que demostrem a realidade do território.

            Foi um trabalho de muitos dias de pesquisa e muito difícil, mas temos a satisfação de que foi um trabalho gratificante. Hoje temos melhor controle dos usuários que necessitam de atendimento em saúde mental e por tanto conseguimos os avaliar periodicamente para atender suas necessidades individuais. No registro construído pela equipe foi incluído o nome do usuário, o número do cartão SUS, data de nascimento, sexo, endereço, doença, tratamento atual, se tem sido avaliado pelo psiquiatra e a data da última consulta.

            Com a realização desta microintervenção entendi a importância do médico que atua na APS porque nem sempre temos todos os recursos no momento que precisamos (psiquiatra, psicólogo ou a possibilidade de atendimento imediato no CAPS). E, por outro lado, temos uma pessoa com uma doença psíquica com a necessidade de assistência. Ela também me proporcionou maiores conhecimentos sobre os transtornos psiquiátricos pois, ao longo da minha atuação profissional tratei essas doenças poucas vezes.

 

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