2 de agosto de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

RELATO DE EXPERIENCIA

 

 

 

 

TÍTULO: O ACOLHIMENTO IDEAL x REAL :UM DESAFIO NA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE.

                                                                

AUTOR:   ISMEL SAUL GARCIA TOLEDO

 

ORINETADOR:  MARIA BETÂNIA MORAIS DE PAIVA                                                                            

 

 

 

 

O avanço de políticas com uma concepção de Estado mínimo na reconfiguração da máquina estatal, na dinâmica da expansão e da acumulação predatória do capital no mundo, tem produzido efeitos devastadores no que se refere à precarização das relações de trabalho, emprego e à crescente privatização dos sistemas de seguridade social, excluindo grande parte da população da garantia das condições de existência. O impacto desse processo, no que diz respeito às relações intersubjetivas, é igualmente avassalador, na medida em que as reduz, muitas vezes, ao seu mero valor mercantil de troca. Os processos de “anestesia” de nossa escuta e de produção de indiferença diante do outro, em relação às suas necessidades e diferenças, têm-nos produzido a enganosa sensação de salvaguarda, de proteção do sofrimento (BRASIL, 2010).

A saúde pública é um dos cenários em que essa tendência se manifesta mais claramente, pois a falta de humanismo e sensibilidade, na relação entre o profissional e o usuário nos centros de assistência, frequentemente, leva a erros na interpretação do problema real e, por conseguinte ao prolongamento do sofrimento do primeiro.

 No Brasil, apesar dos avanços e das conquistas do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda existem grandes lacunas nos modelos de atenção e gestão dos serviços no que se refere ao acesso e ao modo como o usuário é acolhido nos serviços de saúde pública. Várias pesquisas de satisfação, relatórios de ouvidoria e depoimentos de gestores, trabalhadores da saúde e usuários evidenciam a escuta pouco qualificada e as relações solidárias pouco exercidas (BRASIL, 2010).

Segundo Campos (1997), o acolhimento possibilita regular o acesso por meio da oferta de ações e serviços mais adequados, contribuindo para a satisfação do usuário. O vínculo entre profissional/paciente estimula a autonomia e a cidadania, promovendo sua participação durante a prestação de serviço.

Sem o acolhimento segundo a literatura, “são produzidos ruídos que se materializam, por exemplo, em queixas, reclamações, retornos repetidos, busca por outros serviços.” Assumir efetivamente       o acolhimento como diretriz é um processo que demanda transformações intensas na maneira de funcionar a atenção básica. O requer um conjunto de ações articuladas, envolvendo usuários, trabalhadores e gestores, pois o acolhimento dificilmente se dá apenas a partir da vontade de um ator isolado (BRASIL, 2011).

Acolher é reconhecer o que o outro traz como legítima e singular necessidade de saúde. O acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações. Como valor das práticas de saúde, o acolhimento é construído de forma coletiva, a partir da análise dos processos de trabalho e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário com sua rede sócio-afetiva (BRASIL, 2015)

 A minha Unidade Básica de Saúde (UBS), já tinha um sistema para receber o paciente com demanda espontânea, mas isso não era um verdadeiro acolhimento, não foi devidamente organizado e não encaixava em qualquer uma das variantes de acolhimento propostas pelo Ministério da Saúde (MS), por esse motivo, houve queixas frequentes da população pelas dificuldades na obtenção de uma vaga de atendimento, muitas vezes, obrigados a fazer longas filas desde manhã cedo, ou ir para outro centro de saúde na busca de solução de um problema que tinha que ser resolvido na UBS. Também, frequentemente, exigiam dos profissionais uma  sobrecarga nas consultas com interrupções constantes de seu trabalho por outros membros da equipe durante o atendimento, em virtude da chegada de pacientes fruto de  demandas espontâneas, querendo saber se eles poderiam ser atendidos, fato que ocasionava um mal estar de  entre os usuários da sala de espera e o próprio profissional. A partir dessa situação e sabendo a experiência de outras UBS no Brasil que já implementaram o Acesso Avançado (AA) da demanda espontânea com resultados positivos, nós decidimos mudar o nosso antigo modelo para outro mais avançado e humanizado, que atende aos padrões de qualidade orientados pelo MS  através do Programa Nacional de Humanização (PNH), que se adapte à realidade do nossa UBS.

A primeira fase da intervenção consistiu de uma série atividades, como palestras, reuniões e pesquisas de opinião voltadas para a população e os trabalhadores da UBS, com o objetivo de  conscientizar sobre a real existência do problema e a necessidade de mudança de modelo de recepção e processamento do usuário quem vem à nossa unidade com demanda espontânea.

Uma vez concluída a fase de informação e conscientização, seguiu-se uma fase de análise para implementar em nossa UBS o modelo de fluxograma para atender a demanda espontânea, proposta pelo MS. Com a participação de todos os atores. Em nossa UBS existe algumas fragilidade como a ausência de uma sala de recepção por falta de espaço físico e até esse momento   só temos uma técnica de enfermagem para as três equipes básicas no serviço. Diante dessa realidade, ficou decidido que enfermeira de cada equipe seria responsável por receber o paciente com demanda espontânea, realizar escuta qualificada, avaliar o risco e vulnerabilidade e encaminhá-lo de forma adequada para algumas das seguintes opções de acordo com seu problema de saúde: atenção específica de rotina como a sala de vacinação, sala de curativos, inalação/nebulização ou farmácia; caso agudo com atendimento imediato e prioritário no dia; atividade programada.

 Na ausência da enfermeira da equipe, a segunda opção seria um dos enfermeiros das outras equipes ou outro profissional da UBS designado pelo gerente. Os médicos assumirão as consultas programadas e sempre teriam vagas reservadas para dar atenção aos casos de demanda espontânea que exigem atenção médica urgente ou no dia. Em condições normais, cada equipe é responsável por sua população, mas, se fosse necessário, os profissionais de outra equipe deveria fornecer o acolhimento aos usuários que buscassem atendimento independente da área de abrangência. Desse modo, também foi estabelecido que o acolhimento não seria realizado por um só  profissional e todos os usuários com demandas espontâneas que chegassem à UBS seriam acolhidos e uma vez escutada a sua demanda, seria encaminhado corretamente na perspectiva de  resolver o seu problema.

 Nesse Contexto, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) desempenham um papel importante na primeira linha, orientando adequadamente os usuários com pedidos de atenção médica em suas comunidades.

Outro dos acordos consensuais estabelecidos diz respeito à importância de sempre respeitar os princípios da ética entre profissionais e  pacientes, onde quaisquer discrepâncias entre os profissionais sobre a conduta tomada deve ser conduzida com o devido respeito e análise colegial.

Com o objetivo de melhorar a estratégia de cuidado ao longo do tempo, concordamos em realizar pesquisas periódicas tanto da população quanto dos atores e membros da equipe, a fim de conhecer os estados de opinião e depois analisá-los em reuniões mensais das UBS. Apesar do pouco tempo decorrido desde a implementação do nosso modelo de demanda espontânea avançada, apenas duas semanas, através de inquéritos feitos à população e a vários membros da equipe, constatamos que a maioria das opiniões é positiva, alguns deles embora apontem deficiências do tipo organizacional no processo, sugerem alternativas para resolvê-los, fato que interpretamos como muito interessante, pois nos amostra a aceitação e o empoderamento de ambos em relação à mudança.

Como comentário final sobre a experiência desta microintervenção, destaco mais uma vez a importância do trabalho em equipe e a participação ativa da comunidade para alcançar os objetivos definidos. Tenho certeza que para todos os profissionais da UBS, essa experiência serviu como um grande ensinamento e despertou a confiança de cada um de nós em si e em seu coletivo de trabalho.

 

REFERÊNCIAS:                                                                                                                   

BRASIL. Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. ACOLHIMENTO NAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE SAÚDE. Textos Básicos de Saúde 2. ed. 5ª.  Brasília DF, p. 7-10, 2010.

—— Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. 1. ed. v. I.  ACOLHIMENTO À DEMANDA ESPONTÂNEA. Brasília DF, p. 20-40, 2011.

——Ministério da Saúde. Portalms. AÇÕES E PROGRAMAS. Política Nacional de Humanização – Humaniza SUS. Out. de 2015. Acesso em: 20 mai. 2018 . Disponível em:http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/qualisus-rede/publicacoes/693-acoes-e-programas/40038-humanizasus.

CAMPOS, GWS. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. O caso da saúde. In: Cecílio LCO, organizador. Inventando a mudança na saúde. 2. ed. São Paulo: Editora Hucitec. 1997. p. 29-87.

1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (No Ratings Yet)
Loading...
Ponto(s)