27 de novembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

TÍTULO: DESAFIOS NO COMBATE AO SEDENTARISMO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

ESPECIALIZANDO: SORAIA LEMOS EHLERS

ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO

 

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crônicas não transmissíveis são responsáveis por 63% das mortes no mundo. No Brasil, são a causa de 74% dos óbitos. Consideradas um problema de saúde pública, as doenças crônicas não transmissíveis são enfermidades multifatoriais, coexistindo determinantes biológicos e socioculturais, que se desenvolvem ao longo da vida e são de longa duração. São condições muito prevalentes.

Apesar dessa realidade, a maioria das doenças crônicas pode ser prevenida ou controlada. As principais doenças crônicas não transmissíveis estão divididas em quatro grupos: doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus e neoplasias. Os principais fatores de risco, comuns a esses grupos, são: o tabagismo, o consumo nocivo de álcool, a inatividade física, a alimentação não saudável e a obesidade. É importante observar que esses fatores de risco são modificáveis.

A abordagem dessas doenças envolve diversas categorias profissionais e o envolvimento dos indivíduos e seus familiares. A Atenção em Saúde para as doenças crônicas é, na atualidade, um dos grandes desafios para as equipes de Atenção Básica.

Assim é que temos, em nossa área de adstrição, no município de Rosário do Catete-SE, usuários portadores de enfermidades crônicas como uma parcela expressiva daqueles que se encontram sob os cuidados de nossa equipe de ESF.

Para analisar, de forma geral, o contexto das nossas ações frente a esse público, respondemos ao questionário norteador da presente intervenção. Verifica-se que há alguns pontos a serem melhorados para que possamos prestar uma melhor assistência, como, por exemplo, a interlocução com outros pontos de atenção.

Por outro lado, temos ações bem-sucedidas, como o acesso programado às consultas, que, especificamente para esse público, ocorre de forma bastante organizada, com adesão satisfatória de nossos usuários.

A vivência e a experiência clínica, no decurso de nossa atividade profissional, mostrou-nos, precocemente, a necessidade de instituirmos ações voltadas a modificar padrões comportamentais nocivos junto a esse público.

Inicialmente, quando do início de minha atuação junto ao público Rosairense, notei um profundo descaso, de uma forma geral, dos nossos pacientes para consigo mesmos. Pacientes hipertensos e diabéticos havia que sequer sabiam citar suas medicações, apesar de as utilizarem durante longos períodos de tempo, acreditando que era nossa obrigação, enquanto profissionais de saúde, sabermos suas medicações em uso. Rebeldes em relação a cuidados alimentares básicos, resistentes a mudanças de hábitos inadequados. O etilismo prevalente e o sedentarismo, sempre associado à usual desculpa da falta de tempo para o autocuidado, sempre dando a tônica da situação.

No âmbito da assistência, durante as consultas, procurei iniciar um trabalho de conscientização da importância do autocuidado, do empoderamento, da tomada de responsabilidade para com a própria vida. Sendo esse um padrão recorrente de comportamento, de mentalidade, entendi que algo mais abrangente deveria ser feito para uma mudança desse cenário. A educação, dentro da realidade da Atenção Básica, sempre se mostrou uma ferramenta extraordinária para a promoção à saúde. A informação e o conhecimento empoderam.

Assim é que, enquanto equipe, sempre procuramos utilizar o espaço em nosso cronograma dedicado às atividades educativas para realizar palestras com temas vinculados às doenças crônicas não transmissíveis, sempre tendo um enfoque especial nos fatores de risco associados a tais condições, por serem estes modificáveis.

Temos verificado, progressivamente, uma mudança positiva de mentalidade. Esse trabalho de orientação leva algum tempo para estabelecer uma base, mas estamos “plantando as sementes” e “regando as mudas”. Assim, algumas mudanças e algum esforço pessoal já podem ser observados em nossos usuários, a médio prazo.

Um item que sempre nos trouxe dificuldades, entretanto, foi a mudança de paradigmas no que se refere à inatividade física. De uma forma geral, em nosso território, havia um entendimento de que a exercício físico como coisa de escolares ou de quem quer perder peso, mais associado a estética do que a saúde. O exercício físico era entendido como uma forma de melhorar a aparência física, desconhecendo-se a prática regular de atividade física como promotora de saúde e bem-estar.

A atividade física moderada regular reduz o risco de desenvolver coronariopatias, reduzindo o risco de mortes por infarto agudo do miocárdio, diminui o risco de desenvolver diabetes e hipertensão arterial sistêmica (ou melhora tais quadros), além ajudar no controle do peso.

Não obstante, também está associada a melhora quadros osteoarticulares e musculares, minimizando a dor das artropatias, à redução dos índices de quedas em idosos, ao abrandamento dos sintomas de quadros de ansiedade e depressão, reduzindo, de uma forma geral, o número de hospitalizações, atendimentos médicos e medicalização.

Ainda que tais conceitos fossem discutidos e a importância de se manter o corpo ativo fosse devidamente compreendida, durante as nossas rodas de conversa com nossos usuários, ou mesmo dentro do espaço do consultório, o questionamento suscitado era: “como fazer?”

Ora, temos pessoas simples em nosso território. Donas de casa, vendedores ambulantes, empregados domésticos, trabalhadores que viajam, diariamente, para a capital ou outros municípios, em busca de desempenhar seus labores. Pessoas, em sua grande maioria, com escassos recursos financeiros. Não seria algo muito eficaz nos limitarmos a aconselhá-las a procurar uma academia de ginástica para se exercitarem.

Por outro lado, sugestões inespecíficas de atividades, como caminhadas, corridas, alongamento, etc, também não estariam sendo tão esclarecedoras, tampouco motivadoras.

Era necessário não somente orientar-lhes sobre a importância da atividade física, mas também ensinar-lhes a se exercitarem. Esclarecer não somente o “porquê”, mas o “como”.

Buscamos nos informar sobre algum programa municipal voltado a esse propósito, mas fomos informados que, até a gestão municipal anterior, havia uma espécie de “Academia da Cidade”, que funcionava numa das praças do município, durante três manhãs semanais, com o intuito de estimular a prática de atividade física, principalmente para o público da “terceira idade”.

Esse programa foi descontinuado por falta de verbas.

“Quem não tem cão, caça com gato”, diz o ditado popular.

Ora, ocorreu-nos como opção, naquele ínterim, utilizarmos nossa própria experiência pessoal, aliada ao conhecimento teórico, para ajudarmos aos nossos usuários.

Assim é que, em setembro de 2018, na primeira quinta-feira do mês, no período da tarde, realizamos nossa primeira atividade voltada ao ensino e prática coletiva de exercícios.

Tendo formação em ballet clássico, e vasta experiência no campo do Pilates, Yoga, e alongamento, tendo sido, há alguns anos, instrutora de alongamento e dança, arrisquei meus primeiros passos no sentido de compartilhar alguns saberes, para orientar os meus usuários a realizarem atividades aeróbias, visando a um melhor condicionamento cardiovascular, bem como alguns exercícios de alongamento e ginástica, para um melhor condicionamento músculo-esquelético, atividades de leve intensidade, que pudessem ser repetidas em casa, reforçando a importância de sua regularidade.

Poucos usuários compareceram, talvez haver sido uma proposta inusitada, mas o encontro foi bastante proveitoso. Orientamos, previamente, o uso de roupas leves, de tecidos naturais, que não limitassem os movimentos, além de calçados confortáveis, além de uma toalha ou colchonete, se possível, para as atividades realizadas no chão.

Estivemos presentes a enfermeira, quatro de nossos agentes comunitários de saúde e doze usuários de nossa área, de diferentes faixas etárias, e eu, médica da equipe e facilitadora naquele encontro. Iniciamos nossas atividades no estacionamento da UBS, área bastante ampla, com um alongamento inicial, leve, para “aquecermos” a musculatura e “lubrificarmos” as articulações. Como o intuito da ação era ensinar a fazer, focamos na explicação de cada movimento, observando a postura e o desempenho de cada um, corrigindo eventuais erros de execução.

Após tal etapa, fizemos uma caminhada em ritmo rápido, circundando o quarteirão três vezes, sempre observando as dificuldades de cada um. Retornamos ao local inicial, onde foram realizados alguns exercícios simples e leves para alongamento de alguns grupos musculares, em especial da região cervical e dorsal, bem como exercícios de fortalecimento da musculatura do abdome, membros superiores e inferiores.

Encerramos com um breve alongamento e relaxamento guiado com música suave. Oferecemos água potável para hidratação oral, ao final do encontro. A atividade teve duração de 40 a 50 minutos, no total. Descontando-se o tempo para explicações e correções, estabelecemos uma sequência de exercícios envolvendo alongamentos, atividade aeróbia e anaeróbia, num espaço de tempo não muito extenso, para tornar possível a inclusão de sua prática no cotidiano daquelas pessoas.

Nossos usuários gostaram bastante da experiência e pudemos observar que houve um aprendizado que superou a técnica. As pessoas se sentiram bem após a atividade, e se mostraram dispostas a incluírem uma rotina de exercícios em seu dia a dia. Elas compreenderam o ganho do momento, e as esclarecemos sobre os ganhos a médio e longo prazo.

Esse encontro repercutiu bem, e fomos solicitados a repetir a experiência.  Pretendemos, de fato, repeti-la, tão logo nos seja possível; porém, agora, teremos um grande aliado: há pouco mais de um mês, foram contratados alguns profissionais para comporem a equipe do NASF, em nosso município, dentre eles, um profissional de Educação Física. Estaremos reunidos o mais breve possível com o mesmo para discutirmos alguma ação coletiva, sendo nosso intuito aproveitar a experiência já realizada como “molde” para novas ações.

Consideramos essa iniciativa extremamente exitosa, mas sabemos que ainda é um pequeno passo para fomentar uma nova mentalidade. Persistiremos.

 

 

 

 

 

 

 

 

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