27 de novembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

TÍTULO: DESAFIOS NA ESTRUTURAÇÃO DO ACOLHIMENTO À DEMANDA NA ATENÇÃO BÁSICA

ESPECIALIZANDO: SORAIA LEMOS EHLERS

ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO

 

Uma das grandes dificuldades, no que se refere ao bom funcionamento das Unidades Básicas de Saúde, é o acesso dos usuários aos serviços da atenção básica e especializada. Quase três décadas após a implantação e a implementação do SUS, ainda se observam diversos problemas de acesso dos brasileiros a esses serviços.

Segundo Donabedian (1973; 2003), o conceito de acessibilidade refere-se à facilidade com que as pessoas obtêm assistência à saúde. Para o autor, a acessibilidade depende de fatores sócio-organizacionais e geográficos que se relacionam.

De acordo com a Portaria nº 4.279, para assegurar a resolutividade na rede de atenção, um dos fundamentos que precisa ser considerado é o acesso, que pode ser analisado através (I) da disponibilidade, que diz respeito à obtenção da atenção necessária ao usuário e sua família; (II) da comodidade, relacionada ao tempo de espera para o atendimento, à conveniência de horários, à forma de agendamento, à facilidade de contato com os profissionais, ao conforto dos ambientes para atendimento, entre outros; e (III) da aceitabilidade, relacionada à satisfação dos usuários quanto à localização e à estrutura física do serviço, ao tipo de atendimento prestado, e relacionada, também, à aceitação dos usuários quanto aos profissionais responsáveis pelo atendimento (BRASIL, 2010).

Em nossa Unidade Básica de Saúde, no município de Rosário do Catete/SE, desde o início das minhas atividades profissionais, percebi que a maneira de garantir o acesso dos usuários aos serviços oferecidos trazia certos percalços para os mesmos e para a equipe.

Tal acesso era feito por demanda livre, com atendimento agendado para o próprio dia da busca pelo serviço. Quem não conseguisse uma vaga naquele dia, teria que se aventurar em outra ocasião, seguindo o mesmo esquema.

Gestantes, à exceção, sempre tiveram suas consultas mensais garantidas através do agendamento prévio realizado pela própria enfermeira, bem como os pacientes acamados, que sempre tiveram seus atendimentos domiciliares agendados semanalmente.

 

O acesso por demanda livre, como vinha acontecendo, constantemente gerava problemas. A peregrinação de usuários para o portão da UBS durante a madrugada, para garantir uma oportunidade de atendimento, gerava problemas de segurança para nossa população, por se tratar de região de contumaz violência.

Por outro lado, alguns usuários  reservavam mais de uma vaga para o mesmo dia, o que escasseava a oferta para os demais. Muitas vezes, essas “vagas” a mais eram comercializadas.

E havia, ainda, alguns usuários, cujo hábito e facilidade de conseguir atendimento na UBS, comumente mais de uma vez por semana, requerendo consultas repetida e desnecessariamente, dificultava, ainda mais, a acessibilidade aos serviços.

O acolhimento, em nossa UBS, consistia, basicamente, em “encaixar” situações que necessitavam de atendimento imediato, e que não haviam sido bem sucedidas na busca por vagas.

Outra peculiaridade de nosso município é o fato de a Farmácia Básica (única, para toda a cidade) só ter autorização de fornecer as medicações de uso contínuo (anti-hipertensivos, hipoglicemiantes orais, psicotrópicos, etc) em quantidade suficiente para o período de um mês de consumo, requerendo, sempre, prescrições atualizadas para novas dispensações, o que obriga os usuários a buscarem a UBS para manutenção de tratamento todos os meses, no intuito de renovarem suas receitas e darem continuidade a seus tratamentos.

Além disso, pacientes em uso de fraldas geriátricas, para poderem receber auxílio da gestão municipal para aquisição das mesmas, necessitam levar, à Assistência Social, mensalmente, relatório que comprove a necessidade de seu uso, emitido pela médica ou pela enfermeira, o que obriga seus familiares/acompanhantes ao comparecerimento mensal à UBS para tanto, o que aumenta, ainda mais, a demanda.

Como resultado, verificava-se sobrecarga da equipe, dificultando o planejamento de saúde adequado da nossa comunidade e trazendo desgastes para os profissionais, além de insatisfação de usuários, pela dificuldade de acesso ao serviço.

Há muito percebemos, em nossa equipe, a necessidade de uma estratégia para melhorar o acesso dos usuários e para um atendimento mais justo.

Então, em uma de nossas reuniões de equipe, a enfermeira, alguns agentes de saúde, a recepcionista, e eu, a médica, decidimos criar um modus operandi que tornasse mais resolutiva nossa atuação nesse sentido.

Assim, fomos criando algumas regras para o acolhimento, a saber:

  • ·         Agendamento mensal das consultas de pré-natal pela enfermeira ou pela

médica,em qualquer momento (durante todo o horário de funcionamento da UBS).

  • ·         Aqueles que se ausentarem à consulta agendada, sem justificar a ausência, perdem o direito a novo agendamento durante os 15 dias subsequentes, à exceção das situações de urgência e emergência.
  • ·         Acolhimento diário dos usuários, para agendamento, das 07:00h às 09:00h, com a enfermeira, ou, em sua ausência, com agente de saúde ou a própria recepcionista, de acordo com nossas orientações prévias, para agendamento no dia ou para os próximos 7 dias, no máximo, para a médica, a odontóloga e a enfermeira.
  • ·         Pacientes terão acesso livre a serviços como vacinação, aferição de P.A. e de glicemia capilar (quando diabéticos), além de administração de medicações e nebulização.
  • ·         Pacientes acamados têm agendamento semanal para visita domiciliar, que ocorre às quintas-feiras pela manhã. Podem agendá-lo com a médica, com a enfermeira, ou com o agente de saúde de sua microárea.
  • ·         O acesso ao serviço de coleta para colpocitologia ocorre sob livre demanda, às quartas-feiras, com a enfermeira.
  • ·         Cada usuário pode agendar apenas uma consulta por dia, salvo situações a serem analisadas (mais de um filho, idoso e cuidador, etc), para evitar as famigeradas vendas de vagas, bem como para garantir acesso a todos.
  • ·         O limite para agendamentos prévios para o dia (demanda programada) é de 10 agendamentos.
  • ·         O limite para agendamentos no dia (demanda livre) é de 10 agendamentos.
  • ·         Urgências e emergências podem ser encaixadas em qualquer momento, dentro do horário de atendimento, desde que submetidas à análise da enfermeira ou da médica.
  • ·         Agendamento prévio poderá ser feito em qualquer momento do horário de atendimento, pois, durante nosso trabalho, várias situações se apresentam (retornos agendados pelo próprio profissional, situações outras), porém o agendamento para o dia (salvo as situações de urgência e emergência, conforme citado) deve ser realizado durante o acolhimento do início da manhã.
  • ·         Pacientes que se dirigem à UBS para prescrição de medicações de uso contínuo ou para confecção de relatórios para aquisição de fraldas informam tal intento à recepcionista e a mesma separa seus prontuários, solicitando retorno no dia seguinte. Para aqueles pacientes já em tratamento conosco, com quadro clínico compensado, que não estejam em período de retorno periódico, renovamos as prescrições para o período de um mês. Para outras situações, agendamos atendimento para as 48h seguintes. Tal atribuição realizamos após o término dos atendimentos presenciais do dia.

Pudemos notar, com tais medidas, uma melhor organização e uma maior facilidade do acesso. Tem havido uma melhora na comunicação com os usuários, uma satisfação maior (pois todos têm uma definição de conduta), maior fluidez.

Alguns poucos usuários, acostumados ao modelo antigo, reclamaram. Mas toda mudança pede um tempo para que possa ser assimilada.

Infelizmente, ainda não dispomos de telefone na UBS para facilitarmos a comunicação com os nossos usuários, o que seria bastante útil nesse novo processo de programar demandas (agendamentos, reagendamentos, etc), porém computadores estão sendo instalados nas UBS, e, posteriormente, reunir-nos-emos com a mesma pauta, para avaliarmos a possibilidade de oferecermos novas vias de contato para a comunidade (correio eletrônico, por exemplo).

Com as medidas citadas, pudemos perceber uma melhor organização no nosso serviço de atendimento, diminuindo a pressão de usuários e a sobrecarga na agenda. A redução de usuais brigas e ameaças, decorrentes da dificuldade de acesso, e a sensação de ter mais tempo livre (pela otimização dos atendimentos) é um alento.

 

 

                                                            Referências:      

 

BRASIL.Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Histórico da cobertura da saúde da família. Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_ sf.php>.

 

BRASIL.Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. Brasília, 2010.

 

DONABEDIAN, A.  Aspects of medical care administration. Cambridge: Harvard University, 1973.

 

DONABEDIAN, A.  An introduction to quality assurance in health care. New York: Oxford University, 2003.

 

 

 

 

 

 

 

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