Agentes Comunitários de Saúde fazendo acolhimento à demanda espontânea e programada na comunidade de planície das Mangueiras- Natal-RN
Aluna: ALINE SILVA DE DEUS
Orientadora: Maria Helena Pires Araújo Barbosa
A unidade em que atuo é estruturalmente bem precária em relação as outras unidades de saúde do município. As salas foram improvisadas em contêineres. Há 2 enfermeiros na unidade, desproporcional ao número de equipes existentes. A unidade é composta por 3 equipes, no entanto incompletas. Minha equipe atualmente está sem enfermeiro, porém com Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e técnicos de enfermagem. Atualmente há apenas uma médica na unidade para atender todas as áreas e também fazer os atendimentos dos usuários considerados fora de área.
Sabendo de toda dificuldade estrutural da unidade e do déficit da equipe, houve a necessidade de implementar uma estratégia para organizar o serviço de forma a garantir que os usuários com maior necessidade e as urgências sejam atendidos de forma mais rápida e que possam ser avaliados e direcionados a um serviço de maior complexidade ou que haja intervenção mais rápida possivel iniciada na unidade.
Há uma maior dificuldade de realização do acolhimento, visto que não há enfermeiro na unidade e os técnicos atendem as 3 equipes.Sabemos que triagem é diferente de acolhimento. Acolhimento não é decidir quem será atendido de imediato, mas acolher a todos, priorizando aqueles indivíduos com mais urgência. Para isso é necessário uma classificação de risco, que não está relacionado a ordem de chegada do usuário e sim com a necessidade apresentada por ele no momento da consulta.
O acolhimento com classificação de risco permite garantir ao usuário um acesso universal, tornando o serviço acessível a toda população, assim como permite equidade que consiste em tratar de forma desigual os desiguais, afim de proporcionar igualdade e maior chance de sobrevivência dos indivíduos vulneráveis na sociedade. A classificação de risco baseia-se em alguns protocolos como de Manchester, mais adequado para ser aplicado em pronto socorro, pelo grande fluxo de usuários atendidos e também pela maior complexidade dos casos. Esse protocolo é usado com mais frequência em atendimentos de urgências como Pronto Socorro pois permite que os usuários do sistema único de saúde sejam identificados o mais precocemente possível em relação a gravidade com objetivo de diminuir o risco de mortalidade pela demora nos atendimentos.
Na Atenção Primária em Saúde (APS) é algo que não é muito aplicado, ou nunca é aplicado. Isso pode ser identificado em relatos de colegas médicos que durante atendimento identificam casos mais graves, porém são encaminhados para as unidades de urgência, sem que tenha sido realizado medidas iniciais. Um exemplo dessa prática são os usuários que chegam a unidade com crise hipertensiva.
Temos que levar em consideração que na emergência diariamente são atendidos indivíduos com risco de morte, usuários com pico hipertensivo, Acidente Vascular Encefálico (AVE), diabetes descompensado usuários com risco de morte. Sendo assim, precisa haver triagem para que casos graves sejam prioridade a fim de diminuir o risco de morte.
Na APS como esses riscos de morte são raros é necessário além dos critérios clínicos como crise hipertensiva, diabetes descontrolada, a observação de condições de vulnerabilidade social. Muitas vezes o usuário não pode deslocar-se de sua casa devido sequela de AVE e não tem condições de pagar transporte para ir a unidade básica de saúde. Os usuários da APS são acompanhados pelos ACS, que geralmente conhecem a condição clínica e social destes indivíduos, identificados pela frequência em que são atendidos na UBS e também pelas visitas domiciliares executadas pelos ACS diariamente.
De acordo com Ministério da saúde: ” Avaliar os riscos e vulnerabilidade implica estar atendo ao grau de sofrimento físico quanto psíquico, pois muitas vezes o usuário que chega andando, sem sinais visíveis de problemas físicos, mas muito angustiado, pode estar necessitando de atendimento e com maior grau de risco e vulnerabilidade do que outros pacientes aparentemente mais necessitados” (BRASIL, 2010,p.26)
Com objetivo de atender e poder identificar esses indivíduos tem sido aplicado o modelo do Acesso avançado, que tem como proposta reduzir o número de agendamentos, proporcionando atendimento diário da população ou no máximo em 48 horas. Desta forma é possível atender os casos com maior necessidade diariamente, diminuindo os riscos de desistência devido agendamentos prévios de longa data. Esse modelo permite que 70% dos indivíduos sejam atendidos diariamente por demanda espontânea e que 30% seja agendado.
Inicialmente foi muito dificil executar a microintervenção na unidade. Tentar mudar um modelo que já existe e que a população já está habituada não é tarefa fácil. Exige educação da população e diálogos frequentes dos ACS com a comunidade para compreensão da necessidade de se aumentar a demanda espontânea e diminuir o número de agendamentos. Outra questão para execução da microintervenção foi a falta de enfermeiro na área, que dificulta acolhimento e classificação de risco do indivíduo.
O acolhimento tem sido feito pelos ACS que ao terem conhecimento sobre os casos na comunidade trazem para discussão e assim posso avaliar a necessidade de atendimento diário ou não. Durante a microintervenção deixamos algumas consultas para serem realizadas por agendamentos e deixamos em aberto demanda espontânea.
Os ACS ficaram responsáveis por iniciar o acolhimento do usuário na minha equipe. Desta forma, é colhida uma história rápida do indivíduo e uma avaliação é realizada por mim para que seja determinada a gravidade do caso, se há ou não necessidade de atendimento no dia. Assim como os ACS os enfermeiros das outras equipes também ficaram responsáveis por identificar e acolher de suas respectivas áreas as histórias que considerarem mais urgentes e passarem pela avaliação médica. Eles me passam os casos e atendo de acordo com necessidade ou faço agendamentos caso não haja urgência.
Tem sido muito cansativo a intervenção, visto que são muitos usuários e apenas uma médica na unidade para fazer tal avaliação, sem contar na ausência de enfermeiro na equipe, porém gratificante, visto que a partir dessa abordagem foi possível identificarmos casos graves, com necessidade de internamento. Um dos casos foi de uma adolescente de 14 anos com queixa de febre há 15 dias e astenia. Este caso foi acolhido por uma ACS muito atuante na comunidade. Ela relatou o caso e pude iniciar as medidas de urgência para a adolescente que no momento da consulta foi diagnósticada com dengue. Ela estava hipotensa e letargica. Foram feitas medidas iniciais de hidratação venosa na UBS e encaminhada para urgência. A adolescente precisou ficar internada por dengue hemorrágica.
A partir dessa microintervenção de abertura para demanda espontânea tenho tido acesso a vários casos que já inicio a intervenção e encaminho apenas se houver necessidade. Nos indivíduos com pico hipertensivo tenho realizado as medidas iniciais fazendo medicação por via oral, antes de encaminha-lo a unidade de urgência. Esses são alguns exemplos identificados a partir desse modelo que tem permitido identificar casos mais graves e intervenção mais rápida diminuindo risco de morte do indivíduo. Assim tem sido feita com toda comunidade incluindo gestante e crianças, idosos e acamados. As visitas domiciliares também estão sendo realizadas de acordo com necessidade do caso.
Dentre os impactos positivos dessa intervenção há a redução de mortalidade e agilidade no atendimento, a partir de identificação precoce dos casos mais graves, assim como também há diminuição do número de agendamentos e desistência das consultas que muitas vezes os usuários acabavam perdendo por nem lembrar o dia de atendimento médico, ou pela queixa que não estava mais apresentando.
Com toda essa exposição saliento que é importante manter o modelo de acolhimento, manter os atendimentos por demanda espontânea, apesar das dificuldade apresentadas. Dessa forma podemos identificar sujeitos potencialmente em risco de morte e/ou risco social e proporcionar a esses indivíduos atendimentos visando resolução de seus casos.
Ponto(s)