7 de novembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

SAÚDE MENTAL NO COTIDIANO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA

 

ESPECIALIZANDA: MICHELLE ALBANO FERREIRA

ORIENTADORA: DANIELE VIEIRA DANTAS

 

Ao longo dos anos a forma de conduzir o tratamento dos pacientes portadores de distúrbios mentais no Brasil sofreu fortes mudanças. Para nossa alegria, e principalmente dos pacientes alvo dessas mudanças, essas foram em buscar de melhor atenção no âmbito da saúde pública.

Por muito tempo o modelo de tratamento provocava o isolamento social desses pacientes, uma vez que havia uma preferência pelo internamento em hospitais psiquiátricos fato que em muito levava ao agravamento do quadro, pois o paciente era retirado do seu meio familiar e de sua zona de conforto. Todos esses fatores levavam o paciente a ter uma percepção como sendo algo brutalmente imposto e que não traziam nada de construtivo em vossas vidas.

Ao longo do tempo a realidade foi mudando, e hoje em dia, foi possível perceber o quanto esse isolamento vinha sendo prejudicial. Por esse motivo que na atualidade, se preza pelo tratamento a nível de domicilio, sendo este em geral orientado pelo médico da equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS), o qual segue orientações da matriciadora em caso de urgência e orientações importantes. Não esquecendo nunca do acompanhamento psicológico, tão necessário e fundamento para o segmento.

Pensando nisso, bem como na constante melhoria na atenção aos pacientes portadores de distúrbios de ordem psiquiátricas, foi elaborado uma ficha para registro e acompanhamento dos pacientes psiquiátricos para nossa equipe, instrumento esse baseado nos critérios estabelecidos pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Tentamos construir de forma bem objetiva, de fácil compreensão e linguagem para que todos pudessem se sentir aptos ao preenchimento. Os dados presentes na ficha dizem respeito a informações pessoais (sexo, idade, endereço), comorbidades, diagnósticos psiquiátricos e histórico medicamentoso.

Após a elaboração do instrumento, este foi apresentado à equipe e distribuído para a aplicação nos pacientes da área. Houve certa resistência por parte dos integrantes da equipe, porém após avaliarem a simplicidade do preenchimento, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) aceitaram o desafio de iniciar o registro dos pacientes com doenças psiquiátrica/psicológica. Ainda temos poucos registros trazidos pela equipe, no entanto, precisamos dar o exemplo e começar a implementação desse registro.

O segundo momento nos fez refletir sobre a abordagem de um paciente em nosso serviço, bem como na Rede de apoio. Atualmente estamos contando com o apoio matricial, portanto os pacientes são atendidos e em casos mais complexos e de difícil condução, temos o suporte do matriciador que nos orienta que tratamento direcionar. Como apoio complementar, e não menos importante, o paciente pode ser encaminhado a um serviço de psicologia, em diversas clínicas, portando a ficha de encaminhamento do Sistema Único de Saúde (SUS) a qual preenchemos em nossa UBS. Até o momento não houve maiores dificuldade quanto a marcação das sessões de terapia psicológica. Infelizmente não contamos com o apoio do Núcleo Ampliado em Saúde da Família (NASF), mas temos suporte do Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) Oeste. Pacientes em crises são orientados a buscar atendimento inicial em Unidades de Pronto Atendimento de onde são regulados para o Hospital Psiquiátrico.

Apesar da nossa área ter quantidade considerável de usuários de drogas ilícitas, há pouca procura por parte do serviço de saúde e quando sob busca ativa, os usuários não estão abertos ao acompanhamento. Então a demanda acompanhada é basicamente de patologias como depressão, ansiedade e esquizofrenia. Nesse mês recebemos uma paciente na Unidade que após acolhimento foi direcionada a consulta médica por queixar-se de “precisar de ajuda”. Em consulta, a paciente iniciou o discurso justamente com a frase “eu preciso de ajuda” e daí começou a descrever seu profundo sentimento de tristeza. A própria paciente reconhecia ser algo sem motivo aparente pois convivia em um ambiente familiar estável, sem relações conflituosas.

No evoluir da conversa, relatou a necessidade de isolamento social, impaciência com situações cotidianas e dificuldade de interação social. Contou que percebeu piora do quadro após ter tido problema de saúde na família (filha), o que desencadeou sentimento de extrema culpa por parte da paciente em não ter buscado diagnóstico precocemente, chegando inclusive a pensar em suicídio.

Após um longo período de escuta, foi explicado a paciente que a culpa que ela sentia podia ser amenizada pois sua filha não apresentou déficit de desenvolvimento devido o diagnóstico tardio (espectro autista sem comprometimento no aprendizado) e também que realmente existem doenças que independente de fator desencadeante surgem espontaneamente e o importante era o fato de ela estar ali reconhecendo que precisa de ajuda. Em seguida foi conversado sobre a necessidade de acompanhamento psicológico. Por fim foi falado em terapia medicamentosa.

Foi iniciado um estabilizador de humor de imediato e encaminhada para avaliação no CAPS para otimização de terapia. A paciente reconheceu que o simples fato de ter conversado sobre o assunto lhe trouxe uma tranquilidade maior. Nesse momento foi reforçado a necessidade da psicoterapia, momento no qual ela teria maior tempo pra conversa desse tipo, e também orientado que a qualquer momento que ela sentisse angústia maior, buscasse o atendimento na UBS pois estaríamos de portas abertas. Um retorno foi agendado para 15 dias e ela já se encontrava bem mais estabilizada, sono preservado e sem pensamentos suicidas. Aguardava ainda psicoterapia já agendada e continua sob acompanhamento.

Com essa microintervenção foi possível observar a necessidade de se manter um registro adequado para controle dos pacientes portadores de distúrbios mentais, uma vez que é uma população cada vez mais predominante na realidade na qual vivemos, em muito influenciada pelo crescimento exponencial da violência, consumo de drogas ilícitas e de condições estressantes associadas. E mais uma vez o PMAQ-AB vem com orientações bem oportunas e direcionadas para nos auxiliar. A saúde mental precisa dessa atenção e importância e qualquer que seja o esforço na tentativa de melhoria é válido e muito bem-vinda.

 

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