11 de outubro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

Especializanda: Kelly Karine Fraga Vieira

Orientadora: RomanninyHevillyn Silva Costa Almino

Acompanhamento de pacientes com transtornos mentais na UBS

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Segundo o Ministério da Saúde, 3% da população geral sofre com transtornos mentais severos e persistentes; mais de 6% da população apresenta transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 12% da população necessita de algum atendimento em saúde mental, seja ele contínuo ou eventual (BRASIL, 2008a).

 Dados fornecidos por estudo realizado pela Universidade de Harvard indicam que, das dez doenças mais incapacitantes em todo o mundo, cinco são de origem psiquiátrica: depressão, transtorno afetivo bipolar, alcoolismo, esquizofrenia e transtorno obsessivo-compulsivo (MURRAY E LOPEZ, 1996 apud BRASIL, 2003). 

Por volta dos anos 70, no Brasil, foi instituída a Reforma Psiquiátrica que visava abolir a exclusão instituída em asilos e priorizar os direitos do doente mental e sua cidadania. Assim, buscava-se um novo modelo organizado para remodelar o tratamento desses pacientes (TENÓRIO, 2002) 

Na década de 80, ampliou-se ainda mais os cuidados em saúde mental com o surgimento do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) um ambiente acolhedor, responsável por oferecer suporte ajudando o paciente se superar e facilitando a inclusão social (SALLES; BARROS, 2014). 

O CAPS é um serviço estratégico para promover a desospitalização, aqui entendida enquanto oferta de serviços territoriais, compatíveis com os princípios da Reforma Psiquiátrica e com as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental. Porém, os CAPS e a oferta de serviços na abordagem psicossocial não são, ainda, suficientes para a cobertura da demanda de saúde mental nas diversas realidades do país.

Em diferentes regiões do país, experiências exitosas vão demonstrando a potência transformadora das práticas dos trabalhadores da atenção básica, mediante a inclusão da saúde mental na atenção básica por meio do matriciamento, como por exemplo, das equipes de apoio ao Programa Saúde da Família – Núcleos de Atenção à Saúde da Família – NASF (BRASIL, 2008b).

 Entretanto, muito ainda precisa ser feito para avançarmos na perspectiva da construção da rede de atenção em saúde mental. 

Após o redirecionamento de ações prioritárias em saúde mental decorrentes da reforma psiquiátrica e por ser porta de entrada dos usuários, no Sistema Único de Saúde (SUS), a Atenção Básica em Saúde passou a ter papel estratégico no cuidado em saúde mental (BRASIL, 2013). 

Embora todas essas ferramentas existam no papel, no dia a dia, dentro da UBS, as coisas não acontecem como deveriam. 

Ao realizamos essa microintervenção percebemos o quanto é negligenciada a saúde mental. Ainda não tínhamos um instrumento que mapeasse todos os usuários de psicotrópicos, o que facilita bastante o acompanhamento mais efetivo, dando uma atenção especial tanto nas consultas, como nas visitas domiciliares. E assim, diminuir a frequência desses pacientes nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) somente para renovar a receita do medicamento. Realizamos a construção do instrumento para monitoramento dos pacientes em uso de psicotrópicos.

Tabela 1 – Instrumento para acompanhamento de pacientes em uso de psicotrópicos.

As visitas domiciliares são importantes e fazem uma diferença enorme na vida desses pacientes, possibilitando conhecer a realidade do portador de transtorno mental e sua família, favorecendo a compreensão dos aspectos psico-afetivo-sociais e biológicos, promovendo vínculos entre usuários, familiares e profissionais. 

   Através da visita, podemos realizar atividades de acompanhamento no uso adequado da medicação do portador de distúrbios mentais, aquisição de receitas de psicotrópicos, esclarecer dúvidas dos familiares sobre a doença mental e orientações para o manejo de comportamentos do familiar com sofrimento mental, com o objetivo de melhorar o convívio entre os familiares, incluir a família no tratamento.

O problema de saúde mental remete para uma problematização sobre a formação das equipes, muitas vezes, incompletas, e ainda para a falta de capacitação na área de saúde mental. Acrescenta-se ainda a ausência de um profissional especialista, como um psicólogo ou psiquiatra nas Unidades Básicas de Saúde, para dar suporte aos profissionais. Diante da abertura de um espaço para a reflexão sobre o que existe, mas também sobre o que falta, os profissionais deparam-se com a pergunta: para onde e para quem encaminhar? 

Os casos considerados de menor gravidade recebem atendimento médico na UBS e logo em seguida são encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), sendo acompanhados por uma equipe multidisciplinar (psicólogo, psiquiatra, entre outros) com acompanhamento do uso de medicação. Nos momentos em que há o psicólogo na equipe, este também realiza atendimentos na UBS. 

Os atendimentos aos casos mais graves de saúde mental são encaminhados ao hospital geral do município para consulta com o médico psiquiatra e início da medicação. 

As dificuldades percebidas são referentes à atuação em equipe, discussão de casos, organização dos atendimentos, realização da prevenção e estabelecimento do vínculo terapêutico. As potencialidades dizem respeito à realização de tudo isso, considerando que o papel da Atenção Básica é justamente de prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde. 

O atendimento a essa demanda torna-se limitado quando compreendido como uma questão isolada do contexto social e tratável apenas pelo uso da medicação e pela hegemonia do saber médico. Há a formação de uma nova percepção que se constitui através da prática profissional e apresenta a importância e necessidade da atuação em equipe interdisciplinar, das novas formas de cuidado como o apoio matricial, da importância de se conhecer a realidade social do usuário o que vem a colaborar com os objetivos da Estratégia Saúde da Família (ESF) com a busca pela resolutividade, do acompanhamento e do vínculo terapêutico. 

Assim, percebe-se que a desorganização do serviço de saúde, a falta de profissionais, a necessidade de qualificação e incentivo profissional se concretiza como grandes dificuldades no cotidiano de trabalho da equipe de Atenção Básica, embora isso nem sempre seja perceptível dessa forma aos profissionais, os quais destacam, por vezes, como uma “falha” pessoal o trabalho não realizado. 

Abordamos abaixo um relato de caso clínico e como o conduzimos com base na articulação da rede psicossocial:

Relato de Caso: P. S. B., 30 anos, masculino, estudante, veio à consulta médica na UBS Senador Hélio Campos (SHC) no dia 25.06.2018. Relata ser usuário de álcool e drogas desde a adolescência. Afirma que não tem obsessão por álcool, mas quando bebe apresenta uma vontade enorme de cheirar cocaína. É acadêmico de Zootecnia na UFRR (terceiro período). Relata que o consumo de drogas aumentou após adentrar na Universidade, pois assim conseguia ficar acordado até tarde e conseguia estudar. Seu desempenho foi ótimo no primeiro semestre, mas no segundo decaiu bastante, pois começou a faltar aula para sair com os “amigos” e não perder a vontade de estudar. Após o paciente contar um pouquinho de sua história, solicitei alguns exames laboratoriais e o encaminhei ao CAPS-AD, localizado no bairro Jardim Floresta. No dia 23.07.2018 fiz uma visita domiciliar ao paciente. Relatou que estava se sentindo melhor e que realizou a primeira consulta com o psiquiatra e com o psicólogo no dia 26.06.2018, sendo prescrito Diazepam 10mg 1x à noite, orientado a aumentar a dose conforme ansiedade (máximo de 30mg por dia). No dia 17.07.2018, uma segunda consulta com o psiquiatra foi agendada e o mesmo prescreveu Dissulfiram 250mg por dia (manhã) e Diazepam 30mg à noite. Afirma que está em abstinência, desde que iniciou o tratamento, mas que às vezes “sente o cheiro da droga”, aumentando sua vontade de cheirar novamente. Nova consulta foi agendada com o psiquiatra e com o psicólogo para o dia 27.08.2018 (40 dias após). 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/Aids. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas.Brasília: Ministério da Saúde, 2003. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Mental.Brasília: Ministério da Saúde, 2008a. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM n. 154, de 24 de janeiro de 2008.Cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF. Brasília; 2008b. 

BRASIL, Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica, Saúde Mental, n. 34. Brasília: 2013. 

TENÓRIO F. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. Revista Historia, Ciências, Saúde, Rio de Janeiro. 2002 vol. 9(1): 26-29.

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