CAPÍTULO IV: Atenção à Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde
Especializanda: Julye Sampaio Fujishima
Orientador: Cleyton Cezar Souto Silva
A saúde mental ainda é considerada um tabu dentro da sociedade, onde muitas vezes os pacientes têm dificuldades em tratar de temas que envolvem qualquer tipo de sofrimento ou alteração psíquica, mesmo estes tendo grande relação com diversas queixas dos pacientes. Cabe a equipe de saúde, a capacidade de identificar essas demandas e o desafio de abordá-las na assistência cotidiana (BRASIL, 2013).
O cuidado com a saúde mental no Brasil passou por muitas fases, desde o modelo manicomial, até a criação da Rede de Atenção Psicossocial que é o que conhecemos hoje, que incluem a abordagem da saúde mental na rede básica, passando por diferentes níveis, pela criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), enfermarias para o cuidado das crises, inclusão dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) no processo do cuidado, tentando quebrar o errôneo conceito de que saúde mental e loucura são sinônimos (BRASIL, 2013).
Dentro da atenção básica, a equipe de ESF lida com diversas situações que envolvem direta ou indiretamente prejuízos na saúde mental. Dessa forma, o médico da equipe, assim como os demais profissionais necessitam desenvolver a capacidade de reconhecer essas demandas, para abordá-las da forma mais precoce e o mais eficaz possível. Em nosso cotidiano, temos contato direto com pacientes com variados graus de sintomas depressivos e ansiosos, corriqueiramente, assim como doenças mais estigmatizantes, como esquizofrenia, alterações de personalidade, humor, etc., alguns fazendo acompanhamento especializado, nos serviços de referência, porém muitos em negação acerca das alterações em sua saúde mental. No entanto, mesmo esses que fazem tratamento especializado, acabam não repassando tais informações para a equipe de saúde básica, as informações pertinentes a esse tratamento, dificultando a tentativa de manter um cuidado linear e multidisciplinar contínuo entre os serviços, como preconiza a RAPS.
De forma a tentar trabalhar para unificar e manter a continuidade do cuidado em saúde mental, eu, juntamente com a minha equipe, criamos um instrumento em forma de planilha (anexo IV), para rastrear e coletar informações importantes acerca do cuidado em saúde mental, como diagnóstico, freqüência de consultas com a ESF, se faz acompanhamento com NASF, CAPS, especialista, uso de medicações, etc. de acordo com cada microárea, designando tal instrumento para os agentes comunitários em saúde coletarem as informações, tanto com os pacientes já conhecidamente acompanhados, quanto a novas potenciais demandas que possam surgir, tanto no campo da saúde mental em sim, nas patologias, incluindo abuso de álcool e outras drogas (anexo IV).
A coleta desses dados é um trabalho longo e contínuo, porém dentro dessa coleta de informações, foi possível notar a dificuldade no acesso aos serviços de referência, assim como a baixa adesão ao acompanhamento multidisciplinar.
Dentre esses pacientes, uma mulher, V.S.Q., de 32 anos, me chamou atenção. Essa paciente era uma paciente com diagnóstico e acompanhamento prévio para transtorno depressivo grave. Mesmo sendo da área, ela não foi encontrada por busca ativa, e sim a mesma foi a consulta médica, por outro motivo, que aparentemente não tinha relação com a saúde mental. Primeiramente, observei que a paciente apresentava uma visão muito negativa acerca de seu quadro atual, de melhora, etc. como parte da sua anamnese, questionei sobre doenças prévias, então ela referiu quadro de depressão com abandono de tratamento há mais de um ano, porém apresentava muitas deixas inespecíficas e fatos marcantes como o término recente de relacionamento, desemprego, solidão, ócio, dificuldades de ver qualquer situação de forma positiva, de manter laços com outras pessoas, etc.
Nesse caso, pratiquei a escuta ativa, e percebi que ela precisava de atenção da RAPS, até pelas ideações suicidas, falta de apoio familiar (pois moram em outra cidade e a mesma se recusa a ir) , etc. Após esse momento, encaminhei ela para a equipe do NASF e para retorno até 30 dias comigo. A paciente iniciou os trabalhos da psicoterapia e consultas, persistindo com as queixas negativistas e críticas a equipe. Então, encaminhei para o serviço especializado, onde ela começou a realizar consultas com uma psiquiatra, no Hospital das Clínicas, e persistiu com acompanhamento com psicóloga do NASF e comigo, quinzenal e mensal, respectivamente, e iniciou o uso de 3 anti-depressivos associados prescritos pela especialista, inicialmente ela não soube dizer quais, porém solicitei que trouxesse a receita, para podermos fazer o registro. No momento, a paciente apresenta melhora gradual, e começou a permitir a presença de amigos em sua vida e adotou uma criança, o que melhorou sua condição consideravelmente, porém a mesma segue em acompanhamento multidisciplinar, como forma de manter o controle, e estabelecer prazos e metas de acordo com a realidade do paciente.
Em nosso estado, temos certas dificuldades quanto a Rede de Atenção Psicossocial, citei a paciente acima, pois foi uma das poucas que obteve continuidade do tratamento. Quanto a estrutura, contamos com um CAPS III, que funciona em uma casa alugada em um ponto central na cidade, porém não funciona 24h, nem fins de semana, apenas horário comercial, não aceita quadros como depressão e ansiedade, apenas transtornos como esquizofrenia, bipolaridade, etc. referenciando os demais para o Hospital das Clínicas, porém trabalha com consultas psiquiátricas quase diariamente e mesmo assim não consegue suprir a demanda dos pacientes, trabalha com psicoterapia, terapia ocupacional, oficinas, grupos e outras tarefas para estimular os pacientes e suas famílias, porém deixa muito a desejar na atenção integral e estrutural.
Temos um CAPS AD que também fica em uma casa alugada no centro da cidade, muito menor em termos estruturais que o CAPS III, funcionando de forma similar com horários, e tarefas, mas pegando mais forte a parte de grupos e atraindo uma população diferenciada, dando ênfase aos moradores de rua que tem bastantes casos de abuso de álcool e drogas, além da instituição oferecer refeições, o que atrai os pacientes, porém o acesso a este CAPS já é um pouco mais facilitado.
No estado temos 2 CAPSi, mas temos mais contato com o da capital, que por coincidência fica ao lado do prédio em que atendo, na zona sul da cidade, e conta com acolhimento, consulta em enfermagem, e psiquiatria, fonoaudiologia e psicologia, além de oficinas para crianças e pais, porém pela equipe reduzida e grande demanda, um paciente leva cerca de três meses para conseguir uma consulta, dificultando seu seguimento. A porta de entrada, em casos de emergência é o Hospital de Emergências, que aciona o psiquiatra para avaliação e conduta, caso precise de internação, o mesmo é encaminhado ao hospital das Clínicas, onde existem alguns leitos para esses pacientes, além do atendimento psiquiátrico ambulatorial.
A grande dificuldade do serviço é o baixo número de profissionais, o horário de funcionamento dos locais, a dificuldade de realizar oficinas, ora por falta de orçamento, ora por falta de espaço. Alguns profissionais vem até de outro estado para suprir a escassez de psiquiatras locais, dificultando o funcionamento da RAPS, sendo sempre a media de 3 meses entre uma consulta de outra.
Estamos colocando o instrumento em prática, o que facilita o serviço, pendências, renovação de receitas para o paciente não ficar sem medicação, acompanhamento com o NASF, com quem consigo discutir os casos clínicos e fazermos um planejamento terapêutico individualizado, enquanto o paciente aguarda o acompanhamento especializado, e mantém o seguimento contínuo, podendo sempre melhorar, e deixá-los conscientes de sua condição, com melhor aceitação e busca por melhora.
FICHA ESPELHO – SAÚDE MENTAL:
ACS: _________________________
NOME |
D.N.* |
DIAGNÓSTICO |
APOIO NASF (QUAIS PROFISSIONAIS?) |
SERVIÇO DE REFERÊNCIA (CAPS, HOSPITAL, ETC)? |
FREQUÊNCIAS DAS CONSULTAS (ESF) |
MEDICAÇÕES (POSOLOGIA/DOSE) |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
ACS:_______________________________
NOME |
D.N.* |
SUBSTÂNCIA DE ABUSO |
APOIO NASF (QUAIS PROFISSIONAIS?) |
SERVIÇO DE REFERÊNCIA (CAPS AD, HOSPITAL, ETC)? |
FREQUÊNCIAS DAS CONSULTAS (ESF) |
PARTICIPA DE GRUPOS? |
MEDICAÇÕES (POSOLOGIA/DOSE) |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
D.N.: Data de nascimento
Ponto(s)