27 de setembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

O PAPEL DA AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO NA PROMOÇÃO DA SAÚDE DA CRIANÇA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

ESPECIALIZANDO: PIERRE PATRICK PACHECO LIRA

ORIENTADORA: DANIELE VIEIRA DANTAS

 

            Nas últimas décadas, a taxa de mortalidade infantil relativa às crianças com menos de um ano de idade reduziu no Brasil. Em 1990, os óbitos infantis alcançavam 47,1 a cada mil nascidos vivos. Em 2015, diminuiu para 13,8 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, 2018). Essa redução deve-se, entre outros fatores, às ações para diminuição da pobreza e à ampliação da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (BRASIL, 2012).

            Importante ressaltar, no entanto, que ainda existem desigualdades regionais e sociais profundas em relação à taxa de mortalidade infantil e que 68,8% das mortes de crianças menores de um ano de idade acontecem até os 27 dias após o nascimento (período neonatal), sendo a maior parte no primeiro dia de vida. Uma parcela considerável desses óbitos deve-se a causas evitáveis por ações dos serviços de saúde, a exemplo de uma atenção humanizada e de qualidade ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido (BRASIL, 2012).

            A Atenção Primária à Saúde (APS) deve pautar-se em uma forte preocupação com a primeira semana de vida da criança. Espera-se que seja garantida uma visita domiciliar ao binômio mãe-bebê em seu contexto familiar ainda durante a primeira semana após a alta da maternidade, a fim de fornecer orientações sobre os cuidados gerais com a puérpera e com o recém-nascido, ofertar as ações programadas de saúde na APS, apoiar o aleitamento materno, informar sobre imunizações, orientar sobre a importância da coleta de sangue para o teste do pezinho e dos demais exames de triagem neonatal, entre outras ações de promoção da saúde (BRASIL, 2012; 2015).

            Nesse contexto, durante a reunião de equipe ocorrida no dia 31 de julho de 2018 na Unidade de Saúde da Família (USF) Gramoré, foi realizada uma breve análise acerca das ações realizadas pela Equipe de Saúde da Família nº 40 no tocante à saúde da criança, levando-se em consideração as recomendações do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Como primeira etapa dessa avaliação, a equipe respondeu ao questionário proposto pelo Programa de Educação Permanente em Saúde da Família (PEPSUS).

            Alguns pontos positivos (com algumas limitações) foram percebidos após essa primeira análise, a saber:

  1. As consultas de puericultura das crianças de até dois anos de idade vinham sendo realizadas periodicamente no turno da quarta-feira à tarde, com agendamento prévio;
  2. A equipe vinha utilizando protocolos voltados para a atenção à saúde de crianças menores de dois anos de idade, tais como os protocolos de suplementação profilática de ferro e vitamina D, recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria;
  3. A equipe possuía um cadastro atualizado das crianças de até dois anos de idade vivendo em seu território, entretanto, esse cadastro encontrava-se fragmentado entre as fichas e cadernos dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), dificultando o acesso aos dados;
  4. A equipe vinha utilizando a caderneta de saúde da criança para o acompanhamento da puericultura, no entanto, o preenchimento apresentava algumas deficiências, inclusive no que se refere aos dados que deveriam ter sido preenchidos ainda na maternidade onde a criança nasceu;
  5. A equipe possuía registro em prontuário físico ou eletrônico dos dados contidos na caderneta de saúde da criança, servindo como espelho dessas informações.

            Dando sequência à avaliação, foi ainda percebido que a equipe possuía registros sobre o status vacinal das crianças, crescimento e desenvolvimento, estado nutricional, realização do teste do pezinho e acompanhamento de casos de violência familiar conjuntamente com profissionais de outros serviços, inclusive realizando a notificação dos casos por meio das fichas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Contudo, foi notado que não vinha sendo oferecida a devida atenção ao registro de acidentes envolvendo crianças nem à investigação, durante as consultas de puericultura, dos fatores de risco para acidentes, tais como ausência do uso ou uso inadequado de equipamentos de proteção para o transporte de crianças.

            Outro ponto abordado durante a reunião da equipe foi a busca ativa de crianças prematuras e com baixo peso ao nascimento, a qual vinha sendo realizada durante as visitas domiciliares dos ACS. No entanto, foi notado que não havia um mecanismo de organização que possibilitasse a identificação rápida e sistemática de crianças com consultas de puericultura ou situação vacinal em atraso, de modo a possibilitar a busca ativa desses indivíduos.

            Também foi percebida uma deficiência no que tange a ações educativas e atividades coletivas de prevenção de agravos e promoção da saúde nos dois primeiros anos de vida; não havia registro recente de ações coletivas de promoção do aleitamento materno exclusivo para crianças até seis meses de vida nem de ações coletivas de estímulo à introdução de alimentos saudáveis e aleitamento materno continuado a partir dos seis meses de vida da criança. Essas ações vinham sendo ofertadas apenas de forma pontual nos atendimentos individuais, deixando lacunas importantes que poderiam ser sanadas em atividades coletivas, com espaço aberto para interação do público.

            A partir dessa análise, foi proposta a realização de uma ação coletiva (Figura 1) a fim de promover o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade e a introdução alimentar saudável após esse período. A atividade foi planejada por membros das quatro Equipes de Saúde da Família atuantes na USF Gramoré, especialmente do médico da equipe nº 40 (autor desse relato), da enfermeira da equipe nº 38 e dos ACS de todas as equipes. As usuárias gestantes e nutrizes de toda a população adscrita da unidade de saúde foram convidadas para participar da ação. A atividade, no entanto, esteve aberta para a participação de qualquer indivíduo que dela desejasse participar, visto que a promoção do aleitamento materno e da alimentação saudável nos primeiros anos de vida é um assunto de interesse para toda a população, de forma geral.

            Houve uma participação satisfatória das gestantes em acompanhamento pré-natal na USF Gramoré. A ação teve início com a apresentação de uma peça teatral organizada pelos ACS da unidade, a qual representava situações cotidianas em um consultório médico referentes à amamentação e à introdução alimentar em lactentes (Figura 1). As situações encenadas estavam entremeadas por diversos mitos em relação à amamentação. Após essa apresentação inicial, os espectadores foram incentivados a apontar os erros e acertos das situações encenadas na peça.

 

 

Figura 1. Ação educativa na USF Gramoré – peça teatral organizada pelos ACS.

 

            Após esse momento inicial, o médico da equipe nº 40 iniciou uma palestra apresentando os benefícios do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida para a mãe, para o bebê e para a sociedade; os direitos trabalhistas da mulher que engravida e da mulher que amamenta; os principais mitos e verdades acerca do aleitamento materno; os passos mais importantes para a introdução alimentar a partir dos seis meses de vida; as estratégias de ordenha manual e armazenamento do leite para a mãe que trabalha e amamenta; e a oferta de alimentos saudáveis até os dois anos de vida (Figura 2).

 

 

Figura 2. Equipe de saúde na ação educativa na USF Gramoré.

 

            Durante toda a ação, a plateia (Figura 3) foi encorajada a fazer perguntas e a responder questionamentos e indagações do palestrante. Ao final da atividade, foram sorteados pacotes de fraldas descartáveis entre as participantes gestantes.

 

 

Figura 3. Público participante da ação educativa na USF Gramoré.

 

            Foi possível perceber que mitos ainda estavam arraigados no imaginário dos espectadores, como “o leite materno é mais fraco do que o leite de vaca”; “o aleitamento não pode ultrapassar os 2 anos de idade”; “mulher que tem sífilis não pode amamentar”; “mulher que amamenta não consegue engravidar”, entre outros, sendo aquele um espaço importante para esclarecimento de dúvidas e reforço de comportamentos positivos.

            Vale ressaltar que o desenvolvimento deste tipo de ação ainda esbarra na mentalidade “curativista” atribuída aos serviços de atenção à saúde, de modo que a oferta de ações de promoção da saúde chega a causar certa estranheza por parte da população adscrita e até mesmo dos profissionais do próprio serviço de atenção básica. Contudo, as usuárias e usuários participantes da atividade mostraram-se, no geral, satisfeitos com os ensinamentos e com a troca de experiências, deixando, inclusive, sugestões para temas a serem abordados nos próximos encontros coletivos.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica n. 32: Saúde da Criança – Crescimento e Desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

______. Portaria n. 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF, ago. 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Brasil em Síntese: Taxa de Mortalidade Infantil por mil nascidos vivos – Brasil – 2000 a 2015. Disponível em: <https://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-mortalidade-infantil.html> Acesso em: 8 set. 2017.

1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (No Ratings Yet)
Loading...
Ponto(s)