25 de setembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

A SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA

ESPECIALIZANDO: FERNANDA CARVALHO FRANCO

ORIENTADOR: ISAAC ALENCAR PINTO

           Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2017), a Política Nacional de Saúde Mental consiste: 

                                  Nas estratégias e diretrizes adotadas pelo país com o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados                                            específicos em Saúde Mental. Abrange a atenção a pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade,                                              esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, incluindo aquelas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias                                      psicoativas (álcool, cocaína, crack e outras drogas). 

            Portanto, fica evidente que se trata de uma população numerosa e que necessita de um cuidado continuado e articulado entre os diversos níveis de atenção à saúde, mas que muitas vezes acaba tendo assistência comprometida por dificuldades de acesso ao sistema de saúde, dificuldades financeiras em se manter um tratamento medicamentoso continuado, preconceito, dificuldades de reconhecimento dos transtornos mentais, entre diversos outros obstáculos. 

            Na equipe da qual faço parte, foi me relatado que já existiu um instrumento para registro incompleto apenas dos usuários em uso crônico de benzodiazepínicos, porém haviam perdido tal registro e no presente momento ainda não existia um para substituí-lo. Para registro do demais pacientes em uso de medicações para transtornos mentais diversos, registro dos usuários de álcool e outras drogas, assim como dos pacientes mais graves em sofrimento psíquico, nunca houve instrumento.

             A proposta de se criar tal instrumento de registro não foi tão bem recebida pelos que se faziam presentes na reunião, isso porque no mês de desenvolvimento deste módulo a maior parte da equipe não se fazia presente na unidade por motivo de férias. Assim contávamos apenas com uma agente comunitária de saúde (ACS) e uma técnica de enfermagem. A enfermeira e um ACS estavam de férias e neste mesmo período tivemos o remanejamento de uma terceira ACS para outra unidade, ficando com a equipe ainda mais desfalcada.

            Diante deste cenário, para não sobrecarregar ainda mais os componentes da equipe que já estavam com funções acumuladas, decidimos por criar um sistema de registro no qual o paciente, após passar pela consulta médica, era orientado a procurar a ACS de nossa equipe que se fazia presente na unidade e assim informá-la, em ambiente reservado, seus dados (nome, data de nascimento, prontuário, endereço, medicações da qual fazia uso, transtorno mental que estava sendo tratado e o período de tratamento).

            Os obstáculos encontrados foram diversos, por resistência dos pacientes, por dificuldades de encontrarem a responsável pelo registro ou por esta estar ocupada em alguma atividade e assim não poder fazer as anotações no momento em que o paciente havia se disponibilizado a passar suas informações. Diante disso optei por iniciar o registro durante as consultas, porém mais uma vez surgiram dificuldades já que os registros que temos obrigatoriedade de realizar já são inúmeros, ficando esta proposta em segundo plano.

            A conclusão de todo esse processo foi que em uma equipe que se encontra desfalcada, o trabalho infelizmente não pode ser realizado da forma como deveria ou gostaríamos. Mesmo com o retorno dos profissionais que se encontravam de férias, continuamos tendo dois ACS em uma equipe que na verdade deveria ter cinco, ficando todo esse processo que havia sido proposto comprometido.

            Quanto a organização da rede de saúde mental no território, as conclusões são ainda mais desestimulantes. Isso porque estamos sem um CAPS de referência no território (contamos apenas com o CAPS AD em atividade na Zona Norte, ficando muitos pacientes sem assistência prestada por este serviço), na unidade na qual trabalho não existe suporte do NASF e soma-se a isso o fato das consultas solicitadas com psiquiatras demorarem em média um ano, e quando ocorrem não recebemos a contrarreferência por parte do especialista. Portanto a assistência em saúde mental fica completamente comprometida.

            Toda essa situação pode ser claramente percebida no caso de uma paciente que tenho acompanhado. Se trata de uma paciente do sexo feminino, 43 anos que trabalha como agente comunitária de saúde na unidade em que estou alocada. Tal paciente faz parte da população de uma equipe que se encontra sem médico há aproximadamente sete meses e me procurou com queixas que se enquadravam em um transtorno depressivo.

         No momento do primeiro atendimento a paciente se encontrava chorosa, com humor deprimido e referiu ideação suicida. Diante desse quadro, articulei com a assistente social da unidade a possibilidade de conseguirmos um atendimento emergencial no CAPS Oeste (que seria o CAPS mais adequado para seu atendimento, apesar dela não fazer parte da população adstrita deste). Conseguimos atendimento para a paciente que foi acompanhada por familiares. No CAPS Oeste foi iniciado tratamento medicamentoso e encaminhamento para psicoterapia e para acompanhamento psiquiátrico após estabilização do quadro.

           Após está conduta inicial, a paciente voltou a ser acompanhada na UBS, ainda por mim, já que a área da qual faz parte permanece sem médico. Com auxílio da assistente social e dos demais integrantes de sua equipe conseguimos amenizar os conflitos que existiam na casa da paciente, que foram um dos gatilhos do atual problema de saúde, conseguindo assim o apoio de sua rede familiar.

           Ao término de um período de afastamento de aproximadamente dois meses, conforme foi orientado pelo especialista que a acompanhou, a paciente retomou seus trabalhos como agente comunitária de saúde. Aqui evidenciamos mais um dos obstáculos vividos por muitos pacientes que apresentam transtornos mentais: a aceitação e reinserção na sociedade. Isso porque após algumas semanas do seu retorno, a paciente novamente me procurou, mais uma vez com sintomas depressivos e a queixa naquele momento se referia a dificuldade de retomar seus trabalhos na unidade, isso porque as demais colegas de trabalho a colocavam como sendo incapaz de executar suas funções.

          Diante de tudo isso, fica claramente exemplificado o quanto todo o sistema para atendimento de pacientes em sofrimento psíquico é falho e não oferece a assistência adequada aos pacientes. Equipes incompletas, número insuficiente de CAPS, população despreparada e desinformada para auxiliarem na reinserção desses pacientes na comunidade.

         Talvez uma alternativa que poderia ser tomada de forma mais imediata, seja investir na capacitação dos profissionais da atenção primária em saúde das Unidades Básicas de Saúde para conseguirmos assim suprir mais as demandas desta parcela da população que se encontra tão desassistida, e, a longo prazo, estabelecer de forma plena e eficaz a rede de atenção à saúde mental.

REFERÊNCIA:

Ministério da Saúde, 2018. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/politica-nacional-de-saude-mental-alcool-e-outras-drogas. Acesso em: 23 jul. 2018.

 

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