17 de setembro de 2018 / SEM COMENTÁRIOS / CATEGORIA: Relatos

SAÚDE MENTAL: UM DESAFIO NA ATENÇÃO BÁSICA

ESPECIALIZANDO: RÚTILA TAIANE PRAXEDES RITTER

ORIENTADOR: TULIO FELIPE VIEIRA DE MELO

 

            Durante o estudo do módulo Atenção à Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde, muitas temáticas foram importantes para o entendimento de um bom funcionamento das unidades de saúde com a prática diária e corriqueira da saúde mental. Entender o funcionamento adequado da saúde mental na atenção primária é um mecanismo fundamental na prática diária da atenção básica. O ato de acolher o cidadão que sofre com algum problema de ordem psíquica promove humanização do atendimento, bem como maior integração do usuário à unidade de saúde.

         A saúde mental na atenção básica foi se responsabilizando pela assistência de certas demandas, inicialmente identificadas nos transtornos leves e nos transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Porém, atualmente outras demandas já se apresentam na saúde mental na atenção básica, a saber: de sofrimento psíquico subjetivo relacionado a outros problemas de saúde, ou também, de adoecimentos relacionados a situações socioeconômicas e de desigualdade, entre outros, como fatores resultantes de sofrimento (Marçal, 2007).

            Tomando como base inicial desta intervenção a avaliação externa do Programa de Melhoria de Acesso e da Qualidade da Atenção (PMAQ) alguns pontos cruciais foram essenciais para perceber a fragilidade da temática não só na minha equipe (Equipe 42 da Unidade de Nova Natal) bem como na Unidade de Nova Natal. Infelizmente a prática da saúde mental é algo difícil de ser trabalhado. Percebi que existe muitas falhas quanto à quantidade de pessoas que fazem uso de benzodiazepínicos, há quanto tempo tomam a medicação e principalmente com relação ao acompanhamento clínico desses pacientes.

            A minha equipe (42) possui um controle interno de pacientes que fazem uso de psicotrópicos. Existe um livro onde é registrado o nome do paciente e quais medicações que faz uso. Porém, esses dados estão subnotificados. A quantidade de pacientes que estão cadastrados não corresponde à realidade de pacientes que atendo, bem como da quantidade de receitas que surgem para renovação. Por conta disso, resolvi criar uma planilha em que eu mesmo, ao atender um paciente possa fazer o registro mais rápido e fidedigno.

            A planilha é composta por nome do paciente, patologias, medicações que faz uso e há quanto tempo faz uso das medicações. Dessa forma, consigo ter noção da quantidade de pacientes inseridos na saúde mental. Uma outra ferramenta que venho utilizando é o Prontuário Eletrônico (PEC). Ao atender um paciente no PEC consigo inserir a patologia do paciente e medicações que faz uso, inclusive o uso de benzodiazepínicos. No final de cada mês consigo lançar um relatório de quantos pacientes atendi e que fazem uso de tais medicações. Pretendo por meio dessas 2 ferramentas obter dados mais reais desses pacientes para que assim eu e minha equipe possamos traçar estratégias que ajudem e otimizem melhor o acesso desses pacientes.

            O tema da saúde mental é bastante frequente nos meus atendimentos diários. São muitos os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, transtorno depressivo recorrente, ansiedade generalizada e pacientes em uso de benzodiazepínicos há anos sem patologia que justifique o seu uso. Vou relatar um caso que achei interessante de um jovem dependente de benzodiazepínico.

            Paciente L.M.S., 22 anos, sexo masculino, estudante de farmácia, solteiro. Veio para consulta solicitar renovação de medicação que faz uso diário. Quando comecei a ler os relatos do seu prontuário percebi que havia várias renovações de receitas de um benzodiazepínico – Clonazepam de 2 mg. Questionei porque o paciente fazia uso dessa medicação e o mesmo me informou que trata um quadro de ansiedade há 01 ano. O paciente relatou que sofre de ansiedade generalizada. Não consegue realizar algumas atividades diárias por conta do quadro. Queixa-se de insônia, choro fácil, preocupação excessiva, dificuldade de concentração e pessimismo. Possui atitude de recusa diante das situações que lhe é exposto no dia a dia e deixa de executar tarefas por conta da ansiedade. Já reprovou 2 disciplinas na faculdade no último período por não conseguir se dedicar com integralidade. Atualmente, faz uso de Clonazepam 2mg duas vezes ao dia e em casos que se encontra mais ansioso toma 3 vezes.

            Durante a abordagem inicial percebi que o paciente possui recusa também para iniciar um tratamento correto. Por várias vezes repetia que queria apenas a receita renovada, que não tinha interesse de fazer uso de outra medicação, pois apenas o Clonazepam era o suficiente. Expliquei o seu quadro, mostrei a importância de uma outra medicação e do impacto negativo que a ansiedade já está fazendo em sua vida. Por mais de 1 hora fiquei em atendimento com esse paciente, argumentando sobre seu caso e seu tratamento, mas não estava disposta a simplesmente renovar uma receita, queria inseri-lo em um tratamento adequado para seu caso.

            Por meio de uma relação médico-paciente bem estabelecida consegui convence-lo de iniciar uma nova medicação. Expliquei a importância de reduzir o Clonazepam e iniciar uma medicação para de fato tratar sua ansiedade. O tratamento pensado para esse paciente foi iniciar o Cloridrato de Sertralina de 50 mg – 01 comprimido à noite e reduzir o Clonazepam para apenas 01 comprimido noite. Solicitei retorno com 15 dias para avaliar novamente o paciente, prescrevi terapia cognitiva comportamental com a psicologia, informei sobre a necessidade de na próxima consulta irmos reduzindo o Clonazepam e me deixei à disposição para conversar ou esclarecer qualquer dúvida ou recaída que pudesse acontecer nesses primeiros 15 dias.

            Percebi nesse caso, como os pacientes de saúde mental são muitas vezes mal conduzidos na atenção básica. É muito “cômodo” para o profissional médico simplesmente fornecer ou renovar uma receita de benzodiazepínico. É muito mais prático para o médico, ou melhor para o mal médico prescrever esse tipo de medicação do que argumentar e se dispor a tratar de fato o que está acometendo o paciente. Percebi com esse caso e com muitos outros que surgem que o uso indiscriminado de benzodiazepínicos acontece por uma falha médica.

            São muitos os casos de pacientes que usam de forma crônica, sem nenhuma patologia que justifique tal uso. Inicialmente o paciente até resolve o seu problema, vai dormir bem e se sente também menos ansioso. Porém, com o decorrer dos meses a medicação vai provocando dependência e o quadro da patologia vai se agravando. O que antes era um quadro de ansiedade simples acaba virando uma ansiedade generalizada, com impacto significativo em sua vida e principalmente o desenvolvimento de dependência medicamentosa.

            Para melhor conduzir esse caso e muitos outros de uso indiscriminado de benzodiazepínico tentei procurar medidas de suporte e de conhecimento. Infelizmente a unidade em que trabalho não possui o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Não possuo suporte multidisciplinar nesses casos, bem como de apoio em casos mais graves. Entrei em contato com o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) e solicitei uma visita à instituição para que pudesse discutir com um profissional especializado na saúde mental (psiquiatra) formas e abordagens de como conduzir esses casos. A direção do CAPS ficou de entrar em contato comigo e até hoje não obtive resposta. Liguei outras vezes, sem sucesso. Entrei em contato com a Policlínica e solicitei uma discussão ou capacitação em saúde mental com o psiquiatra que presta atendimento lá e estou aguardando um posicionamento. Solicitei ao CAPS matriciamento na minha unidade e me informaram que por pelo menos 03 meses não existe vaga e disponibilidade para realizar o apoio matricial.

            Infelizmente não obtive sucesso em nenhuma das minhas procuras. A rede de saúde mental está super-saturada e qualquer tentativa de ajuda cai no mesmo problema, alta demanda e poucos profissionais especializados em realizar os atendimentos. Muitos dos casos que surgem de saúde mental tento resolver como posso. Realizo ajuste de dose, troco medicações, associo medicações, entro em contato com profissionais mais experientes na saúde mental, procuro ler trabalhos no assunto e casos que realmente não consigo resolver encaminho para psiquiatria, embora sabendo que a consulta também irá demorar.

            Existe uma falha enorme na atenção básica quando o tema envolve saúde mental. Falta capacitações e cursos sobre o tema, bem como oficinas práticas que possam fornecer ou guiar em situações mais complicadas, que exigem um manejo mais prático no assunto. Existe também uma falha nas equipes de saúde que muitas vezes querem conduzir o caso como simples renovação de receitas. Não marcam consultas periódicas desses pacientes e os retornos de avaliação após início ou troca de medicações são superiores aos estabelecidos o que acaba dificultando a eficácia e adesão do tratamento.

            Atualmente, estabeleci com minha equipe o retorno programado desses pacientes, sendo a cada 02 meses no máximo. E as renovações de receitas também não podem exceder 02 meses sem consultas. Estou tentando determinar um turno somente para atendimentos relacionados à saúde mental. A planilha que criei com a equipe, juntamente com os atendimentos realizados no PEC iram servir como dados de controle desses pacientes, bem como das patologias mais prevalentes nos atendimentos, ajudando com isso a criar estratégias e metas para melhor suprir a demanda de saúde mental.

            Infelizmente o Módulo de Saúde Mental não supriu minhas expectativas com relação ao tema. Imaginei que iriam ser abordadas as principais patologias, condutas e terapêuticas, porém, o módulo se restringiu a parte histórica e burocrática da saúde mental. Acredito de que todos os módulos cursados até agora na Especialização de Saúde da Família o de Saúde Mental não supriu em termos de conhecimento, bem como de ajuda em casos mais complicados. A falha ao acesso continua, bem como o suporte especializado. A saúde mental continua, ao meu ver, sendo pouco investida desde o seu acesso básico, onde falta suporte técnico, capacitações e vontade de quem estrutura a rede básica, bem como no acesso especializado. Conhecer o histórico da saúde mental é fundamental para ajudar e entender o seu desenrolar, porém não ajuda em termo de condução de pacientes e de atenção integral ao seu cuidado, pois as dificuldades e algumas dúvidas de terapêuticas continuaram mesmo após o estudo mais aprofundado do módulo em questão.

            Portanto, a gestão local precisa garantir continuamente a capacitação de todos os profissionais de saúde na saúde mental. É fundamental promover a reciclagem dos profissionais bem como a capacitação de temas e situações da saúde mental minimizando assim situações de sofrimento e abandono desses usuários, bem como a promoção de práticas integrativas do cuidado, garantindo acesso ao atendimento e possibilitando humanização dos serviços oferecidos.

 

Referências

MARÇAL, C.R.M. A saúde mental na atenção básica: uma saída para o sofrimento psíquico?: discussão a partir da inserção na assistência e gestão de uma unidade básica de Campinas, SP. 2007. Monografia (Aprimoramento em Planejamento e Administração em Serviços de Saúde) – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

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