RELATO DE EXPERIÊNCIA IV
TÍTULO: LINHA DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA
ESPECIALIZANDO: RAPHAEL ALMEIDA SANTIAGO DE ARAUJO
ORIENTADOR: RICARDO HENRIQUE VIEIRA DE MELO
O relato de experiência em questão aborda, através da perspectiva da microintervenção realizada pela equipe de saúde da família, uma descrição dos mecanismos organizacionais e serviços ofertados na Unidade Básica de Saúde em termos de saúde mental. A partir da compilação de informações intrínsecas à Linha de Cuidado estruturada, a atividade possibilitou uma análise a respeito de suas fragilidades e potencialidades.
A fim de exercer o seu papel integral enquanto porta de entrada na Saúde Mental, o serviço de atenção primária deve contar com alguns requisitos de atuação avaliados externamente segundo as diretrizes do PMAQ. Dessa forma, a UBS deve contar com um sistema de registro para as informações solicitadas na entrevista.
Através de diversas reuniões, a equipe organizou-se para registrar informações acerca dos usuários e do processo de agendamento de consulta para o paciente com sofrimento psíquico. Uma vez montada a planilha, foram discutidas as implicações dos serviços ofertados para a dinâmica de trabalho da equipe e para o paciente.
Não existe registro dos pacientes usuários de crack, álcool e outras drogas, tampouco daqueles em uso crônico de benzodiazepínicos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, antidepressivos, estabilizadores de humor e ansiolíticos de um modo geral – nesse último caso, a única fonte de informação é através do prontuário individual. Além disso, não há registro ou controle sobre os casos graves, estando as ações limitadas ao acompanhamento regular/frequente e ao encaminhamento para a psiquiatria e a psicoterapia.
A unidade conta com um déficit no registro sistemático das informações dos usuários. Além de comprometer a efetivação de ações em prevenção e promoção de saúde pela falta de mecanismos objetivos de controle, a carência de uma compartimentalização dos registros acarreta alguns obstáculos na elaboração de planos de ações por grupos de indivíduos. Afinal, o conhecimento das condições dos usuários no contexto da comunidade é de fundamental importância para a estruturação de uma linha de ação direcionada e efetiva.
Em adição, a elaboração de registros e mecanismos de controle pode contribuir como fonte de dados reais acerca dos serviços da UBS e sua extensão perante a população da região na projeção de políticas públicas.
Apesar de não existir um plano de ação da equipe para o acompanhamento e redução de doses nos casos de pacientes em uso crônico de medicamentos, o médico conversa, individualmente, sobre as implicações a longo prazo e orienta o desmame, nos casos indicados. Existem, inclusive, vários casos de pacientes que hoje não mais utilizam a medicação que outrora fora administrada cronicamente.
Em relação às consultas para pessoas com sofrimento psíquico, existe um sistema de agendamento semanal realizado por parte da equipe (enfermeira, ACS e recepcionista), de acordo com a necessidade. Os casos agudos são atendidos no mesmo dia através da demanda espontânea. A primeira consulta, por sua vez, apresenta um tempo máximo de uma semana de espera. Tal procedimento possibilita uma adequação na relação entre capacidade de atendimento e demanda. Além de considerar os aspectos individuais a fim de categorizar a necessidade, possibilita a formulação de uma dinâmica de ação justa e organizada.
O matriciamento, no viés da organização da saúde mental no município, favorece a corresponsabilização pelo usuário, por meio da interlocução entre a saúde mental e as equipes de ESF, atuando como uma retaguarda especializada de assistência, evitando, dessa forma, os encaminhamentos desnecessários a outros níveis de atendimento e aumentando a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe de referência (BRASIL, 2011). Todavia, essa articulação preconizada entre a atenção primária e a Saúde Mental conta com alguns empecilhos, tal qual a falta de diálogo entre o agentes do cuidado, a precariedade na capacitação dos profissionais e o desrespeito para com as responsabilidades atribuídas a cada profissional.
Nesse sentido, dispõe de ambulatórios de psiquiatria e psicoterapia (através de encaminhamento), NASF com serviço social, psicólogo, e CAPS. A referência e contra referência com o NASF acontecem através de ficha de matriciamento criada pela secretaria de saúde, na qual os profissionais registram suas impressões e solicitam avaliação de outros profissionais através de consulta conjunta, visita domiciliar ou reunião com equipe para discussão de caso. O CAPS recebe pacientes da Unidade através de encaminhamento, porém não há diálogo frequente entre a UBS e CAPS. A contra referência dos especialistas, por sua vez, somente é enviada caso haja solicitação explícita do médico de família.
Tendo em vista a organização da rede de saúde e de pessoas no município, foi selecionado um paciente com necessidade de cuidados integrais em saúde mental a fim de construir uma linha de cuidado. Abaixo segue o caso.
Paciente mulher, jovem, com dois filhos, trabalha em uma empresa exercendo atividade de gerência. Encontra-se em um quadro de ansiedade generalizada há duas semanas, com idas frequentes à urgência apresentando tremores, dores do peito e sudorese excessiva. Ao ser questionada sobre assuntos e problemas familiares, a paciente referiu que após mudança de função na empresa, seu horário também alterou e ela não estava conseguindo mais ficar com seus dois filhos. Nessa atual situação, os filhos tiveram que ir morar com o pai em outra casa. Inicialmente a situação do trabalho interferiu na sua situação familiar a qual, neste momento, está afetando sua vida profissional, de modo que a paciente não consegue realizar suas atividades.
Diante do quadro, destaca-se a influência de fatores externos sobre as condições de saúde mental da paciente. Somada ao elemento base de desestruturação da conjuntura familiar, a falta de atividades físicas também interfere em sua saúde física e mental. O primeiro elemento, no entanto, poderia ser superado caso houvesse um algum serviço de creche no bairro. Se existisse algum serviço municipal de creche no bairro, talvez não houvesse a necessidade de se afastar dos filhos. Dessa forma, é imprescindível considerar os fatores de vida cotidiana na construção de uma linha de cuidado integral.
Tal processo, contudo, ultrapassa a aplicação de um conhecimento técnico. O cuidado integral da paciente em questão deve ser condicionado pela estruturação de uma conjuntura que agregue uma equipe multiprofissional capacitada, ações de prevenção e promoção de saúde mental e mecanismos que efetivem de forma prática a necessidade de manutenção da saúde física e mental, considerando as particularidades a níveis comunitário e individual.
A microintervenção possibilitou a construção de um alicerce para o desenvolvimento de futuros planos de ações os quais tenham a capacidade de potencializar o papel da Unidade Básica de Saúde no acolhimento, prevenção e promoção de saúde mental na comunidade. Ainda que tenha constituído uma experiência enriquecedora em termos práticos e teóricos, não houve o seguimento de algumas ações, como o registro das informações para a avaliação do PMAQ. Por fim, cabe ressaltar – apesar da inegável existência de alguns mecanismos positivos de trabalho – que temos um longo caminho a percorrer a fim de criar uma Linha de Atenção em Saúde Mental integral, funcional e coerente com as particularidades da comunidade.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva; 2011.
Ponto(s)